Foi
hoje publicado na Royal Society Open
Science um estudo sobre mercados financeiros, financiado pela Fundação para
a Ciência e Tecnologia e cujos autores são cinco investigadores portugueses.
Dada a dificuldade de publicar resultados de investigação em revistas
científicas de referência internacional, este facto é, só por si, digno de
menção.
Mas
é-o também por razões muito mais profundas. O estudo, Structural and temporal patterns of the
first global trading market, tem como primeira autora Ana
Sofia Ribeiro, doutorada em Economia pela Universidade de Évora e aí investigadora,
e outros quatro co-autores de diferentes universidades e centros de
investigação[1].
As suas competências desdobram-se pelas áreas da Economia, História Social e
Estudos da Cultura, Engenharia de Sistemas e Computadores, História e Estudos
Políticos Internacionais e Biologia Molecular e Ambiental.
A
primeira questão que pode colocar-se é a seguinte: conseguirão valências
aparentemente tão díspares trabalhar em conjunto num mesmo projecto de
investigação?
Pois
não só o conseguiram como, de forma transdisciplinarmente muito rica,
conceberam e aplicaram uma metodologia totalmente inovadora: combinando a
análise histórica, a análise quantitativa da complexidade das redes financeiras
e a moderna análise de redes, conseguiram proceder à comparação de um mesmo processo
– as redes financeiras globais – distantes no tempo cerca de 500 anos. Desta
forma vieram a ultrapassar os problemas da falta e da inconsistência de dados
estatísticos, normais numa comparação entre períodos de tempo tão distantes.
Pode
então concluir-se que o estudo se notabilizou por esta metodologia?
Não
só. Os resultados a que permitiu que se chegasse são igualmente importantes e contribuem para a compreensão dos mercados financeiros globais da
actualidade. Tomando como ponto de partida para a análise a documentação
manuscrita do icónico mercador de Castela Simon Ruiz e sua rede de relações
mercantis e bancárias, altamente globalizada, constituíram uma base de dados (8725
notas de transação) que cobre o período de 1550 a 1606, a qual foi objecto de
análise de conteúdo e tratamento informático. Refira-se que aquelas transacções
envolviam agentes nas principais cidades alemãs da época, Londres, Antuérpia,
Génova e Roma. Mas também se encontram relações com parceiros da América
espanhola, Brasil, Cabo Verde e Índia.
Na
sua forma de gestão daquela rede de negócios, Simon Ruiz aplicaria então,
segundo os autores, estratégias que ainda hoje marcam a coesão e a subsistência
das redes financeiras globalizadas: a repartição das transacções por um número
muito elevado de pequenos parceiros, de modo a diminuir o risco, a preservação
de um grupo reduzido de parceiros de grande dimensão e com grande estabilidade do negócio,
para além de uma carteira de crédito que servia “individualidades” como os
Grandes de Espanha. Aspectos que os autores deduzem ser de natureza estrutural,
mantendo-se nos mercados financeiros actuais embora com distintas roupagens.
É
bem verdade que a História nunca se repete da mesma forma. Mas análises como a
presente vêm por a descoberto a existência de vagas de fundo que subjazem a
fenómenos temporalmente muito afastados. Assim se consigam constituir equipas
de investigação com tal riqueza em competências e concepção metodológica.
[1]
Além de Ana Sofia Ribeiro, são
autores Flávio Pinheiro e Francisco C. Santos (ambos do consórcio Instituto
Superior Técnico *MIT), Amélia Polónia (Departmento de História e Estudos Políticos
Internacionais, Universidade do Porto) e Jorge M. Pacheco (Centro de Biologia Molecular e
Ambiental, Universidade do Minho).
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