Através
da Fundação Bertelsmann, acabamos de ter conhecimento do relatório sobre o
Indicador anual de Justiça Social para a União Europeia (ler na íntegra aqui).
Como
nos é referido pelo próprio relatório, numa importante e bastante desenvolvida
secção sobre Metodologia, o conceito de justiça social é vago, difícil de delinear
e, sobretudo, extremamente complexo, tal a sua permeabilidade por sistemas de
valores cultural e historicamente determinados. Assim sendo, só podemos
aproximá-lo através de indicadores parcelares de maior operacionalidade. No
âmbito do consenso necessário à estabilidade e legitimação of a social market economy o conceito de justiça social equivale ao
de promoção da igualdade de oportunidades ao longo da vida, devendo
caracterizar-se mais pelo investimento em inclusão do que pela compensação
ex-post da exclusão e da discriminação (op. cit. p. 80).
São
seis os domínios fundamentais de observação e recolha de informação com base nos
quais se constitui o indicador compósito de justiça social: prevenção da
pobreza, equidade na educação, oportunidades de acesso ao mercado de trabalho,
coesão social e não discriminação, acesso à saúde e justiça intergeracional. Os
diversos sub indicadores, suas ponderações relativas e forma de combinação
constituem objecto do já referido capítulo sobre Metodologia, a exigir uma
leitura muito atenta.
A
multidimensionalidade do conceito pode, assim, ser aproximada através de
trabalho e análise de equipas interdisciplinares especialmente interessadas nas
questões dos desequilíbrios e desigualdades sociais, obstáculos e desafios ao
desenvolvimento (sustentado, integral, cidadão…), limitações da explicação
económica convencional, entre outros aspectos da maior actualidade.
Consideremos
o domínio da equidade em Educação. Relativamente a este aspecto, o índice composto
revela-nos que em 2017 (dados provisórios) Portugal se situava em 26º lugar de
entre os 28 EEMM da U.E., a seguir à Roménia e a Malta, com um valor para o índice
de 4,92 face aos 6,28 correspondentes à média europeia, tendo aumentado apenas 0,99
relativamente a 2008.
Que
significado têm estes valores?
Percebemo-lo
melhor quando consideramos a partição daquele Índice composto nos diferentes
sub indicadores que entram naquela composição. Antes de mais, o relativo ao estatuto
socio-económico da família de referência: quanto mais elevado for este,
maior a probabilidade de um bom desempenho estudantil dos filhos, sendo de
notar que o nosso País ocupa o 9º lugar em importância relativamente à intensidade daquela influência.
Esta conclusão viria certamente reforçada se os aspectos materiais do estatuto
familiar tivessem sido combinados com os níveis educacionais dos pais e das
mães dos estudantes, como nos revelam alguns estudos recentes.
O
nível de despesa (investimento…) público no ensino pré-primário, em
percentagem do PIB, constitui outro dos sub indicadores. É por demais conhecida
a influência de uma boa educação de infância nos desempenhos escolares ao longo
da vida e, especialmente, no nivelamento de oportunidades no acesso aos vários
ciclos educativos, pelo que não se estranha a inclusão deste eixo de determinação.
Ocupando o nosso País o 21º lugar, interessa sobretudo constatar que a situação
actual (0,42) nos situa ainda muito aquém do valor relativo a 2008 (0,53) e que
se denota nos últimos dois anos uma tendência para não prosseguir na
recuperação.
Pelo
contrário, a evolução do País no que respeita ao abandono precoce da escola
tem sido extremamente positiva entre 2008 e o momento actual; não é de
estranhar, já que naquele ano de partida ocupávamos uma das quatro piores posições
no conjunto dos 28 EEMM. Prevê-se, no entanto, que a situação tenha voltado a
agravar-se entre 2016 e 2017, com uma ligeira subida de 13,7% para 14,0%. Muito
associado a este sub indicador está o relativo à percentagem da população com
idade superior a 15 anos que não se encontra em educação/formação nem no
mercado de trabalho: em 2016, com 17,5%, estávamos ainda longe dos 14,2% relativos
a 2008 e a previsão para 2017 aponta para uma descida muito ténue, de apenas
0,3.
Também
é de preocupar o valor, que se mantém muito elevado, da percentagem da
população com escolaridade inferior ao 12º ano, nível da escolaridade
obrigatória para a presente coorte geracional. Tendo apenas Malta em pior
situação do que nós, os progressos neste domínio têm sido e continuam a
revelar-se muito modestos.
Quais
as limitações desta breve análise? Muitas e grandes. Com efeito, pouco se vai
aqui além da “fotografia”, nada se avançando sobre a multiplicidade de factores
responsáveis por esta insuficiência de resultados. Um estudo aprofundado exigiria,
com efeito, que investigássemos sobre a influência da crise económica e das
medidas de austeridade, os erros e descontinuidades de políticas públicas nos
domínios da organização escolar, desenho e aplicação de programas e currículos,
formação de professores, entre outros aspectos cruciais.
O
certo é que os indicadores nos alertam, mesmo assim, para um aspecto que
deixaríamos sublinhado: a tendência de evolução positiva parece agora estar a recrudescer,
a entrar em estagnação, talvez até mesmo em regressão num dos casos, no que
respeita a estes indicadores de igualdade de oportunidades em Educação.
O
que não pode deixar de constituir um alerta para os actuais poderes públicos.
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