Contrariando um silenciamento indevido por parte de certa comunicação social (o tema diz respeito a quase dois milhões de cidadãos portugueses bem como aos que já tomaram consciência de que a pobreza dos outros também lhes diz respeito!) entendemos ser nosso dever cívico e de fraternidade cristã reproduzir na íntegra o manifesto dos pobres deste País que foi divulgado no passado domingo, aquando da celebração do 1º Dia Mundial dos Pobres, instituído pelo Papa Francisco.
Não se trata de mais uma análise estatística, mas um grito que merece ser escutado não só com a mente mas também com o coração.
Manifesto dos Pobres
Por favor, não nos “roubem a esperança”: a esperança num futuro melhor, com mais justiça e solidariedade, num mundo mais unido, pacífico e fraterno. A esperança de que acabem todos os preconceitos e discriminações, que haja emprego para quem precisa, que sejamos bons uns para os outros, que a compreensão seja a base das nossas relações humanas, que haja oportunidades para todas e todos os que as procuram.
Estes são os nossos desejos, de pessoas atingidas pela marginalidade a que nos votam tantos e tantas, com os seus gestos, atitudes e modos de vida.
Mas não deveria ser assim. Não tem de ser assim. Gostaríamos que essas pessoas se sentissem mais nossos irmãos e irmãs.
Estamos gratos ao Papa Francisco por ter instituído este Dia Mundial dos Pobres. E agradecemos o seu pedido de perdão que ele nos dirigiu, há um ano, no encontro que teve connosco, em Roma, e reiterou esta semana, quando disse que muitas vezes nem sequer se olha para nós.
Concordamos com o Papa Francisco que é difícil identificar claramente a pobreza. Muitas vezes, nós somos reduzidos a números e estatísticas. Mas nós temos nome, rosto, vidas e anseios como toda a gente.
Queremos que nos estendam a mão, que nos abracem, que nos ajudem a romper o círculo da solidão em que nos enredaram.
Não gostaríamos de receber apenas uma esmola de vez em quando. Sem dúvida que ela, mesmo não resolvendo o problema, ajuda-nos a mitigar a fome. Mas gostávamos também que a dessem olhando-nos nos olhos. Que nos perguntassem porque sofremos e o que nos dói, que quisessem mesmo encontrar-se connosco.
Somos pessoas marcadas pelo sofrimento, pela marginalização, pela opressão, pela violência, pela privação da liberdade e da dignidade, pela ignorância e pelo analfabetismo, pela falta de trabalho e de cuidados de saúde, pelo tráfico e pela escravidão, pelo exílio e a miséria, pela migração forçada.
Somos mulheres, homens e crianças que, como diz o Papa, são “explorados por vis interesses, espezinhados pelas lógicas perversas do poder e do dinheiro.”
Vivemos nesta condição, porque nem sempre temos capacidade de aproveitar as oportunidades que nos são proporcionadas, nem tivemos, na altura certa, quem nos ajudasse a alcançá-las. Mas também somos vítimas da riqueza descarada que se “acumula nas mãos de poucos privilegiados, frequentemente acompanhada pela ilegalidade e a exploração ofensiva da dignidade humana”, como também diz o Papa.
Por isso, ajudem-nos a acreditarmos em nós para que não fiquemos inertes ou resignados e resignadas. Para que a pobreza não iniba o espírito de iniciativa dos mais jovens de nós, quando procuram trabalho, nem nos deixe anestesiados – a nós, os que sofremos, e a todos os que, com a sua inércia, nos fazem sofrer.
Queremos que todos lutem por uma nova visão da vida e da sociedade. Não queremos servir apenas para campanhas eleitorais de quem nos esquece no dia a seguir. Não queremos servir apenas para confortar consciências e ser objeto de orações que, como diz o Papa, correm o risco de ser palavras vazias que não transformam as nossas vidas.
Mas queremos, sobretudo, que ponham em prática novas formas de vida, na economia e na política, que acabem com a nossa pobreza e a nossa marginalidade.
Queremos que este primeiro Dia Mundial dos Pobres seja uma oportunidade para o compromisso sério de todos em ordem à mudança da história, gerando verdadeiro desenvolvimento, escutando o grito de todos os marginalizados para os reerguer desse estado.
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