A recente divulgação de dados estatísticos sobre a repartição do rendimento em Portugal deveria ter posto em estado de choque a sociedade e o governo. Com efeito, ficou a saber-se que, no ano de 2010, 1 milhão e oitocentas mil pessoas viviam abaixo do limiar de pobreza o que, só por si, seria um dado alarmante, pois esse indicador significa que 18% do conjunto da população residente em Portugal se defronta com privações múltiplas relativamente à satisfação das suas necessidades básicas e direitos humanos fundamentais.
Como, nos últimos dois anos, se agravaram, severamente, alguns dos factores causais da pobreza, nomeadamente o desemprego, a diminuição dos salários e os atrasos no seu pagamento, a redução dos valores das pensões e de outras transferências sociais, o acesso e o custo do crédito, o aumento de preços de bens básicos, como os bens de alimentação, a electricidade ou os transportes, temos de concluir que, hoje, a pobreza afectará uma proporção ainda maior da população portuguesa.
Seguramente, no Portugal de 2012, são pobres mais de dois milhões de pessoas, isto é, uma em cada 4 ou cinco das pessoas que habitam este país europeu pertencente a uma das regiões mais desenvolvidas do mundo!
Assim sendo, é, no mínimo, estranho que o Governo continue a avaliar o desempenho da economia e da política económica, procurando centrá-los no grau de execução do programa de austeridade celebrado com os credores, nomeadamente os efeitos sobre a redução do défice das contas públicas, como aconteceu no recente debate parlamentar acerca do estado da Nação, e relegando para o domínio dos efeitos colaterais desse programa o que dele vai decorrendo no agravamento da desigualdade na repartição da riqueza e do rendimento, na qualidade de vida das pessoas, na falta de oportunidades de emprego e de aproveitamento dos recursos humanos e naturais existentes e potenciais, nos serviços de educação das novas gerações, na promoção da saúde, na segurança física e social dos cidadãos e demais objectivos de bem-estar colectivo, coesão social, participação.
Esta prática de avaliação, que não atende aos fins últimos da economia e da política económica, não só enferma de uma atroz miopia científica, que ignora o conhecimento da Economia Política, nomeadamente o que se refere à distinção clara entre finalidades, meios e recursos, como demonstra grave erro de perspectiva política, pois um tal volume de empobrecidos causados por disfuncionalidades graves na economia e no estado social não é compatível com um nível mínimo de coesão social sem o qual é a própria democracia que ficará em risco.
Sociedade e governo deveriam ter ficado em estado de choque com a divulgação dos novos dados acerca da pobreza e da desigualdade, mas estranhamente – ou talvez não! – sobre eles se deixa cair uma espessa cortina de silêncio.
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