Começarei por referir algo que já aqui tem sido abordado em posts anteriores. A crise na Europa desencadeou-se na sequência dos desmandos financeiros de 2008 e da incapacidade que tiveram os seus países para regular a “livre circulação” (ver post de 8 de Dezembro) do capital financeiro e da sua vontade em, apesar das suas responsabilidades na produção dos desmandos, continuar a atacar as suas presas, de modo a manter e, porventura, aumentar os níveis de rentabilidade que vinham obtendo.
O facto de a crise financeira se ter desencadeado na Europa, nas circunstâncias acima referidas, não quer dizer que a Europa e alguns dos seus países (PIGS) não se “tivessem posto a jeito”, criando, ou permitindo que se criassem, condições de fragilidade que tornaram possível que a raposa entrasse com mais facilidade no galinheiro. O que é verdade é que, com maior ou menor dificuldade em entrar, a raposa permanece nas suas imediações.
Ora estas condições de fragilidade, se bem que possam ter raízes no interior de cada um dos países, não podem deixar de ser encontradas, sobretudo, nas insuficiências que, no processo de construção europeia (pela tomada de decisões ou pela sua ausência) têm vindo a ser permitidas, ou conscientemente procuradas, nas últimas décadas.
A grande ambição da construção europeia (e a única em que vale a pena empenharmo-nos é a da construção da “Grande Casa Comum”. O projeto é enorme e, por isso, a Casa não pode ser construída se não assentar em fundações sólidas que é tudo menos o que tem estado a acontecer.
Desde há muito que a ciência económica baseia o objetivo do progresso económico e social (e também o da Europa), na interdependência dos mercados. Mas quais mercados?
Os mercados são múltiplos, mas são interdependentes, o que quer dizer que o que se verificar num não deixa de ter consequências sobre os restantes: mercado da mão-de-obra, de capitais, dos bens e serviços, da inovação, das exportações, das importações, etc.
Para que os mercados funcionem, de modo a produzir progresso económico, os países, ou os espaços supranacionais, devem dotar-se de instrumentos de regulação (políticas): da mão-de-obra, das remunerações, fiscais, orçamentais, monetárias, financeiras, saúde, educação, etc. Do mesmo modo que nos mercados, também, nada do que se passa com um instrumento de política pode ser pensado sem ter em conta as consequências sobre as restantes.
Não é a uma evolução fundada nestes pressupostos o que temos vindo a assistir na Europa e nos vários países que a integram. Não fora assim, porque é que tanto se insiste na fixação da percentagem do deficit público e se descura a necessidade de fixar, por ex. a taxa máxima de desemprego?
A razão é simples e o seu fundamento reside na circunstância de que o objetivo que se procura alcançar é o de facilitar a vida ao mercado financeiro (será que existe mercado?), considerando que tudo o que se passa nos restantes deve ser considerado como instância de ajustamento.
Mas põe-se a questão de saber porque é que o trabalho deve estar sujeito aos apetites do capital e não o inverso? Eu até poderia aceitar que a percentagem do deficit pudesse ser fixada na Constituição se, simultaneamente, também, aí se fixasse a taxa máxima de desemprego, o nível de desequilíbrio na repartição dos rendimentos, os conteúdos dos serviços públicos de saúde e de educação, etc. Como tal é impossível deduz-se, com merediana evidência, a idiotice da iniciativa, quer em relação deficit, quer em relação aos restantes indicadores.
Em alternativa, o que temos é de construir uma Europa em que a economia esteja ao serviço do Homem e não o Homem ao serviço da economia ou, pior ainda, ao serviço dos apetites da “livre circulação” do capital, quer ele seja o financeiro, quer não.
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