Num
seu artigo de 21 de Fevereiro último, Branco Milanovic
chamava a atenção para o facto de se estar a começar a desenhar, a nível internacional,
uma nova forma de globalização.
Com
efeito, as últimas décadas do desenvolvimento capitalista a nível global foram
intensa e crescentemente marcadas por fluxos de mobilidade do capital, nas suas
várias formas, entre as diferentes regiões do globo. Sem grande preocupação de
rigor histórico, relembramos que aqueles fluxos começaram a desenhar-se pela
mão e no interesse das grandes empresas multinacionais que, instaladas nas
economias mais ricas, visavam tirar partido da exploração de recursos naturais
e energéticos, bem como das matérias-primas abundantes e a baixo preço nos
países “do Sul”.
A
breve trecho se sucederam deslocalizações com o fito da sobre-utilização de
mão-de-obra barata, às vezes sem sequer haver necessidade de grandes
deslocalizações geográficas, como no caso da exploração das trabalhadoras
mexicanas pelas empresas de confecções americanas, as célebres maquilladoras.
Com o
desenvolvimento das tecnologias da informação e da comunicação quase deixou de
ser necessário que empresas e trabalhadores se deslocassem, nada impedindo, ou
quase nada, que uma grande empresa americana ou dos Países Baixos passasse a
produzir à custa de mão-de-obra indiana ou romena. Se isto é um facto
especialmente no sector dos serviços, também o é possível nas actividades
industriais, por via da subcontratação, designadamente.
Estes
movimentos internacionais do capital conheceriam mais recentemente novas
formas. São elas a intensificação dos movimentos de capitais especulativos, com
vista a tirar partido das condições de remuneração financeira e bolsista nas
grandes praças internacionais. Mas também os fluxos resultantes de lavagem de
dinheiro da droga, da venda de armas ou de outras operações ilícitas. E, ainda,
os fluxos de dinheiro, divisas ou títulos enviados para os chamados paraísos
fiscais, alguns deles dentro da própria Europa.
Ora,
segundo B. Milanovic, estes fluxos que se
tornaram estruturantes no desenvolvimento capitalista global, tenderão a
diminuir substancialmente daqui em diante. Isso sucederá, desde logo, se for
fixada uma taxa de imposto mínima comum entre diferentes países com interesses económicos
afins, por exemplo dentro de espaços integrados. Ou, da mesma forma, se se
evoluir para a imposição fiscal agravada sobre a riqueza e as grandes fortunas. Mas,
mesmo que tal não suceda, são as próprias condições de segurança das reservas
de capital que estão em risco, bem o poderão sentir agora os oligarcas russos:
as guerras, políticas e/ou económicas, trazem cada vez mais associada a
imposição de sanções de um e do outro lados beligerantes, com o risco crescente
de congelamento daquelas reservas.
E,
entretanto, o que sucede com o trabalho? Se as populações nunca deixaram de se
mover internacionalmente, mesmo quando eram proibidas, à procura de melhores
condições de vida ou para fugir da guerra, nos últimos anos temos vindo a
assistir à intensificação dramática desses movimentos populacionais, quase
sempre de forma clandestina.
Até
agora.
Mas
neste momento tudo mudou. Quando Milanovic escrevia este artigo ainda não
tinham começado os fluxos massiços de refugiados em fuga da Ucrânia e com
destino a outros países europeus. Temo-los agora cada vez mais intensos, a cada
dia a mais em que a guerra se arrasta. Reforçam os fluxos de imigração, de sul
para norte, da África para a Europa, desenhando-se agora fluxos de leste para
oeste dentro do continente europeu. Neste caso, temos essencialmente mulheres e
crianças de tenra idade que migram para ocidente, enquanto os migrantes
africanos são na sua grande maioria homens jovens.
Vir-se-á, ou não, a fazer o reagrupamento
familiar, não o sabemos por enquanto, tudo dependerá muito da duração da
guerra. O que sabemos é que, muito meritoriamente, as condições de acolhimento
dos refugiados estão a estruturar uma integração tão rápida quanto possível das
crianças nas escolas e dos adultos no mercado de trabalho dos países de recepção…
Ousaríamos dizer que nos parece que o fazem com bem maior preocupação ou mais consistência do que relativamente aos fluxos de imigrantes que já vínhamos
recebendo. É totalmente descabida, porque precoce, qualquer tentativa de
extrapolação sobre eventuais consequências no ajustamento das situações de
escassez profissional nos mercados de trabalho. É-o, por maioria de razão,
qualquer exercício de inferência em termos de eventuais tendências de
reequilibrío do saldo demográfico natural.
Mas o
que é certo é que os movimentos internacionais do trabalho e do capital se
fazem e farão sentir cada vez mais em simetria.
Muito oportuno e certeiro!
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