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10 março 2022

Mobilidade internacional do capital e do trabalho: a inversão dos fluxos

 

Num seu artigo de 21 de Fevereiro último[1], Branco Milanovic chamava a atenção para o facto de se estar a começar a desenhar, a nível internacional, uma nova forma de globalização.

 Com efeito, as últimas décadas do desenvolvimento capitalista a nível global foram intensa e crescentemente marcadas por fluxos de mobilidade do capital, nas suas várias formas, entre as diferentes regiões do globo. Sem grande preocupação de rigor histórico, relembramos que aqueles fluxos começaram a desenhar-se pela mão e no interesse das grandes empresas multinacionais que, instaladas nas economias mais ricas, visavam tirar partido da exploração de recursos naturais e energéticos, bem como das matérias-primas abundantes e a baixo preço nos países “do Sul”.

A breve trecho se sucederam deslocalizações com o fito da sobre-utilização de mão-de-obra barata, às vezes sem sequer haver necessidade de grandes deslocalizações geográficas, como no caso da exploração das trabalhadoras mexicanas pelas empresas de confecções americanas, as célebres maquilladoras.

Com o desenvolvimento das tecnologias da informação e da comunicação quase deixou de ser necessário que empresas e trabalhadores se deslocassem, nada impedindo, ou quase nada, que uma grande empresa americana ou dos Países Baixos passasse a produzir à custa de mão-de-obra indiana ou romena. Se isto é um facto especialmente no sector dos serviços, também o é possível nas actividades industriais, por via da subcontratação, designadamente.

Estes movimentos internacionais do capital conheceriam mais recentemente novas formas. São elas a intensificação dos movimentos de capitais especulativos, com vista a tirar partido das condições de remuneração financeira e bolsista nas grandes praças internacionais. Mas também os fluxos resultantes de lavagem de dinheiro da droga, da venda de armas ou de outras operações ilícitas. E, ainda, os fluxos de dinheiro, divisas ou títulos enviados para os chamados paraísos fiscais, alguns deles dentro da própria Europa.

 Ora, segundo B. Milanovic, estes fluxos que se tornaram estruturantes no desenvolvimento capitalista global, tenderão a diminuir substancialmente daqui em diante. Isso sucederá, desde logo, se for fixada uma taxa de imposto mínima comum entre diferentes países com interesses económicos afins, por exemplo dentro de espaços integrados. Ou, da mesma forma, se se evoluir para a imposição fiscal agravada sobre a riqueza e as grandes fortunas. Mas, mesmo que tal não suceda, são as próprias condições de segurança das reservas de capital que estão em risco, bem o poderão sentir agora os oligarcas russos: as guerras, políticas e/ou económicas, trazem cada vez mais associada a imposição de sanções de um e do outro lados beligerantes, com o risco crescente de congelamento daquelas reservas.

 E, entretanto, o que sucede com o trabalho? Se as populações nunca deixaram de se mover internacionalmente, mesmo quando eram proibidas, à procura de melhores condições de vida ou para fugir da guerra, nos últimos anos temos vindo a assistir à intensificação dramática desses movimentos populacionais, quase sempre de forma clandestina.

Até agora.

 Mas neste momento tudo mudou. Quando Milanovic escrevia este artigo ainda não tinham começado os fluxos massiços de refugiados em fuga da Ucrânia e com destino a outros países europeus. Temo-los agora cada vez mais intensos, a cada dia a mais em que a guerra se arrasta. Reforçam os fluxos de imigração, de sul para norte, da África para a Europa, desenhando-se agora fluxos de leste para oeste dentro do continente europeu. Neste caso, temos essencialmente mulheres e crianças de tenra idade que migram para ocidente, enquanto os migrantes africanos são na sua grande maioria homens jovens.

 Vir-se-á, ou não, a fazer o reagrupamento familiar, não o sabemos por enquanto, tudo dependerá muito da duração da guerra. O que sabemos é que, muito meritoriamente, as condições de acolhimento dos refugiados estão a estruturar uma integração tão rápida quanto possível das crianças nas escolas e dos adultos no mercado de trabalho dos países de recepção… Ousaríamos dizer que nos parece que o fazem com bem maior preocupação ou mais consistência do que relativamente aos fluxos de imigrantes que já vínhamos recebendo. É totalmente descabida, porque precoce, qualquer tentativa de extrapolação sobre eventuais consequências no ajustamento das situações de escassez profissional nos mercados de trabalho. É-o, por maioria de razão, qualquer exercício de inferência em termos de eventuais tendências de reequilibrío do saldo demográfico natural.

Mas o que é certo é que os movimentos internacionais do trabalho e do capital se fazem e farão sentir cada vez mais em simetria.

 



[1] Milanovic, B. (2022). The Beggining of a New Globalization. Social Europe, 21st. Febnruary 2022 (https://socialeurope.eu/the-beginning-of-a-new-globalisation)

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