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22 janeiro 2022

Crescimento: que crescimento e quem dele beneficia?

 

             

 

Passado mais de uma década sobre a crise de 2008, que a corrente neoliberal do pensamento económico não soube prever nem foi capaz de apontar soluções eficazes para a sua resolução, e a menos de uma década de o denominado “ponto de não retorno” em matéria de alterações climáticas, a principal tónica do presente discurso eleitoral em Portugal, defendido pelos partidos do centro e da direita política, é a apologia, enquanto valor absoluto e inquestionável, do crescimento.

Não um crescimento pessoal que conduza a mais solidariedade entre os cidadãos, a comunidades mais conscientes dos problemas que lhes são comuns, permitindo-lhes serem mais proactivas, resilientes e propiciadoras da concretização dos sonhos, por natureza, inerentes a cada ser humano.

Trata-se, isso sim, do crescimento económico, da riqueza material produzida, medida pelo PIB.

Sem dúvida que sem criação de riqueza, traduzida nos bens e serviços mais diversos, não há qualidade de vida.

E segue-se então, no referido discurso, a argumentação de que é preciso criar riqueza primeiro, para poder ser repartida, o que, diga-se, é um raciocínio lógico e irrefutável.

Mas é igualmente irrefutável e, mais do que isso, comprovado pela realidade o seguinte: é preciso criar riqueza, sendo que o modo como ela é repartida não é independente da forma como é criada; criação e repartição são, de algum modo, simultâneas.

Na verdade, se tomarmos como momento de análise o mês (e mesmo nalguns casos a semana ou o dia) ao ser processada a remuneração da mão-de-obra empregue a repartição do rendimento entre trabalhador e empresário fica consumada.

E as estatísticas, das nacionais às de nível global, mostram claramente que, muito especialmente desde os anos 80 do século passado a percentagem da remuneração do trabalho no total da riqueza criada tem vindo escandalosamente a decrescer.

Dito de outra forma: o crescimento tem servido para distribuir mais riqueza pelos mais ricos e não para aliviar as condições de vida dos mais desfavorecidos, num claro desmentido da “teoria do gotejamento”. Isto mesmo é brilhantemente demonstrado por Thomas Piketty no seu livro O capital no século XXI.

Mas, mesmo que este fosse um inconveniente que viesse a ser posteriormente resolvido pelo mesmo Estado que os neoliberais abominam, há ainda outro óbice: o planeta, que é a nossa casa comum, não suporta mais a corrida desenfreada em busca do lucro, prosseguida pelos oligopólios que detêm as rédeas da condução da economia e das políticas que os sustentam.

E, face a isto, estamos de novo a questionar o PIB: mais do que as cifras em euros ou dólares o que verdadeiramente interessa é a sua composição. Com efeito:

a)     ao circunscrever-se à expressão monetária dos fenómenos considerados, exclui outros que, embora igualmente de natureza económica, seja difícil ou impossível atribuir um preço: uma melhoria das condições de trabalho, a delapidação dos recursos naturais não renováveis, a poluição ambiental, os serviços domésticos não remunerados, os serviços de voluntariado ou em regime de troca direta, são tudo exemplos de atividades não incluídas no seu cômputo;

b)    por outro lado, inclui, a par de atividades proporcionadoras de bem-estar (produção de alimentos, vestuário, habitação, serviços recreativos,…), outras de que dificilmente se poderá dizer o mesmo: quanto maiores forem os consumos motivados pelas distâncias entre a residência e o local de trabalho,ou pelos engarrafamentos de trânsito ou mesmo por um local de estacionamento livre que passa a ser pago, por exemplo, mais cresce o PIB;

c)     mede, assim, principalmente o que é rentável (ou seja, o que é útil empresarialmente) e na exata medida dos preços conseguidos no mercado : um lote de armamento que atinja no mercado o mesmo preço que o de um edifício escolar pesa tanto como este último no PIB.

E este agregado pode mesmo decrescer e aumentar o bem-estar económico para a maioria da população. Apenas a título de exemplo imagine o leitor que uma parte das pessoas que laboram na indústria da publicidade passava a trabalhar na recuperação de menores e na assistência a idosos e enfermos, mantendo as suas remunerações mas ao serviço de instituições sem fins lucrativos: o PIB decresceria num montante sensivelmente idêntico ao dos lucros não realizados pelas empresas de publicidade, o emprego manter-se-ia igual e o bem-estar económico (associado ao poder de compra) dos empresários de publicidade diminuiria, o dos empregados manter-se-ia, mas quanto aumentaria o bem-estar dos menores, dos idosos e dos enfermos? E, já agora, o de todos os que, sem o quererem, são alvos da publicidade?

Não é, pois, o montante do PIB que interessa mas sim a qualidade de vida, a saúde das pessoas* e do ambiente, o grau de realização e satisfação no trabalho, a repartição do tempo de vida entre trabalho e lazer, o tipo de relações de cooperação e convivialidade que estabelecemos com o próximo, etc..

É por aí que temos urgentemente que caminhar, fazendo uso de um hábil equilíbrio entre a melhoria das condições de vida de muitos dos nossos concidadãos e o respeito pelos limites impostos pelo planeta que nos acolhe.

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*Mais de 28 mil embalagens de antidepressivos vendidas em média por dia em 2021 em Portugal, in Público online de hoje.

 

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