Passado mais
de uma década sobre a crise de 2008, que a corrente neoliberal do pensamento
económico não soube prever nem foi capaz de apontar soluções eficazes para a
sua resolução, e a menos de uma década de o denominado “ponto de não retorno”
em matéria de alterações climáticas, a principal tónica do presente discurso
eleitoral em Portugal, defendido pelos partidos do centro e da direita
política, é a apologia, enquanto valor absoluto e inquestionável, do
crescimento.
Não um
crescimento pessoal que conduza a mais solidariedade entre os cidadãos, a
comunidades mais conscientes dos problemas que lhes são comuns, permitindo-lhes
serem mais proactivas, resilientes e propiciadoras da concretização dos sonhos,
por natureza, inerentes a cada ser humano.
Trata-se,
isso sim, do crescimento económico, da riqueza material produzida, medida pelo
PIB.
Sem dúvida
que sem criação de riqueza, traduzida nos bens e serviços mais diversos, não há
qualidade de vida.
E segue-se
então, no referido discurso, a argumentação de que é preciso criar riqueza primeiro, para poder ser repartida, o que,
diga-se, é um raciocínio lógico e irrefutável.
Mas é
igualmente irrefutável e, mais do que isso, comprovado pela realidade o
seguinte: é preciso criar riqueza, sendo
que o modo como ela é repartida não é independente da forma como é criada;
criação e repartição são, de algum modo, simultâneas.
Na verdade,
se tomarmos como momento de análise o mês (e mesmo nalguns casos a semana ou o
dia) ao ser processada a remuneração da mão-de-obra empregue a repartição do
rendimento entre trabalhador e empresário fica consumada.
E as
estatísticas, das nacionais às de nível global, mostram claramente que, muito
especialmente desde os anos 80 do século passado a percentagem da remuneração
do trabalho no total da riqueza criada tem vindo escandalosamente a decrescer.
Dito de
outra forma: o crescimento tem servido para distribuir mais riqueza pelos mais
ricos e não para aliviar as condições de vida dos mais desfavorecidos, num
claro desmentido da “teoria do gotejamento”. Isto mesmo é brilhantemente
demonstrado por Thomas Piketty no seu livro O
capital no século XXI.
Mas, mesmo
que este fosse um inconveniente que viesse a ser posteriormente resolvido pelo
mesmo Estado que os neoliberais abominam, há ainda outro óbice: o planeta, que
é a nossa casa comum, não suporta mais a corrida desenfreada em busca do lucro,
prosseguida pelos oligopólios que detêm as rédeas da condução da economia e das
políticas que os sustentam.
E, face a
isto, estamos de novo a questionar o PIB: mais do que as cifras em euros ou
dólares o que verdadeiramente interessa é a sua composição. Com efeito:
a) ao circunscrever-se à expressão
monetária dos fenómenos considerados, exclui outros que, embora igualmente de
natureza económica, seja difícil ou impossível atribuir um preço: uma melhoria
das condições de trabalho, a delapidação dos recursos naturais não renováveis,
a poluição ambiental, os serviços domésticos não remunerados, os serviços de
voluntariado ou em regime de troca direta, são tudo exemplos de atividades não
incluídas no seu cômputo;
b) por outro lado, inclui, a par de atividades
proporcionadoras de bem-estar (produção de alimentos, vestuário, habitação,
serviços recreativos,…), outras de que dificilmente se poderá dizer o mesmo:
quanto maiores forem os consumos motivados pelas distâncias entre a residência
e o local de trabalho,ou pelos engarrafamentos de trânsito ou mesmo por um
local de estacionamento livre que passa a ser pago, por exemplo, mais cresce o
PIB;
c) mede, assim, principalmente o que é rentável (ou seja, o que é útil empresarialmente) e na exata medida
dos preços conseguidos no mercado : um lote de armamento que atinja no mercado
o mesmo preço que o de um edifício escolar pesa tanto como este último no PIB.
E este agregado pode mesmo decrescer e aumentar o bem-estar
económico para a maioria da população. Apenas a título de exemplo imagine o
leitor que uma parte das pessoas que laboram na indústria da publicidade
passava a trabalhar na recuperação de menores e na assistência a idosos e
enfermos, mantendo as suas remunerações mas ao serviço de instituições sem fins
lucrativos: o PIB decresceria num montante sensivelmente idêntico ao dos lucros
não realizados pelas empresas de publicidade, o emprego manter-se-ia igual e o
bem-estar económico (associado ao poder de compra) dos empresários de
publicidade diminuiria, o dos empregados manter-se-ia, mas quanto aumentaria o bem-estar
dos menores, dos idosos e dos enfermos? E, já agora, o de todos os que, sem o
quererem, são alvos da publicidade?
Não é, pois, o montante do PIB que interessa mas sim a
qualidade de vida, a saúde das pessoas* e do ambiente, o grau de realização e
satisfação no trabalho, a repartição do tempo de vida entre trabalho e lazer, o
tipo de relações de cooperação e convivialidade que estabelecemos com o
próximo, etc..
É por aí que temos urgentemente que caminhar, fazendo uso de
um hábil equilíbrio entre a melhoria das condições de vida de muitos dos nossos
concidadãos e o respeito pelos limites impostos pelo planeta que nos acolhe.
__________
*Mais de 28 mil embalagens de antidepressivos vendidas em
média por dia em 2021 em Portugal, in Público
online de hoje.
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