Embora
ainda estejamos a sofrer, e provavelmente venhamos a sofrer ainda mais, as
consequências económicas e sociais da pandemia provocada pelo COVID-19, já
começa a ser possível obter alguns resultados empíricos sobre as melhores e
piores respostas dos decisores públicos a esta situação crítica.
Destaco
aqui o artigo “Austerity
Raises COVID Deaths”, de Servaas Storm, publicado pelo Institute for New
Economic Thinking em 26 de Março último, através do qual pode verificar-se que,
em linhas gerais, a pandemia provocou maior número de casos fatais nos países
onde mais se fizeram sentir políticas de tipo austeritário.
Este
artigo, no qual a situação portuguesa é também referida, no âmbito dos países
da OCDE, merece em nossa opinião uma atenção particular devido ao seu
contributo para erradicar muitas ideias feitas do pensamento económico
dominante. E conclui mesmo por uma desautorização sistemática de muitos
daqueles princípios tidos como “vacas sagradas” pela ortodoxia.
É
importante que se considere, antes de mais, que a pandemia afecta mais ou menos
as economias e as sociedades não só devido às medidas de política de curto
prazo mas, essencialmente, em função de problemas estruturais pré-existentes. Assim,
uma canalização reforçada de recursos públicos para famílias mais carenciadas
produzirá tanto menos efeito quanto maior for a desigualdade socio-económica
pré-existente à pandemia. E, do mesmo modo, uma injecção volumosa e repentina
de verbas de apoio aos sistemas de saúde tenderá a esboroar-se por entre as
ruínas desse mesmo sistema provocadas por anos de insuficiente investimento
público em manutenção, renovação, qualificação e recrutamento de recursos
humanos, por exemplo.
Baseado
em evidência estatística, e bem documentado graficamente, o artigo chega às
seguintes conclusões:
-
não há nenhum trade off, de facto, entre salvar a economia e salvar as
pessoas. Acrescento que o bem-estar das
pessoas deve constituir o fim último de uma economia e sociedade democráticas;
-
as sociedades onde os poderes públicos mais gastaram em medidas para
contrabalançar a pandemia e também nas correspondentes políticas
redistributivas foram precisamente aquelas onde se verificaram menos mortes;
EXCEPTO nas situações onde a desigualdade social e económica prévia à pandemia
era muito elevada. O nosso país é apresentado como um dos exemplos desta
situação;
-
torna-se agora bem visível o contra senso que constituiram as políticas de austeridade fiscal e
de desinvestimento continuado nos sectores sociais, agora totalmente em ruptura
mesmo que inundados de dinheiro a curto prazo;
- é falaciosa a existência de uma relação directa entre contenção das despesas públicas com a pandemia, imediatas e de tipo redistributivo, e saneamento fiscal: várias economias, como a francesa e a italiana, entre outras, viram défice e dívida públicos aumentarem a par de despesas públicas com a pandemia relativamente contidas.
O
artigo salienta ainda a importância da despesa agregada, apoiada em adequadas políticas
redistributivas, para a redução das proporções da inevitável recessão. E chama a
atenção para o papel que a banca e o sistema de crédito deverão ter na
reanimação da economia, por grande que seja a tentação do sistema financeiro de
reagir em sentido contrário. Finalmente, salienta que uma política fiscal
progressiva associada a medidas de revalorização salarial constituirá uma forma
muito positiva de intervenção pública, em vários níveis: atenuando a tentação
de excesso de liquidez e contribuindo para uma repartição mais equitativa dos
rendimentos, estigma estrutural de boa parte das economias em observação.
Em
suma, é toda uma revolução no pensamento macroeconómico mainstream que tem de ser posta em prática. Ou as consequências da pandemia arriscar-se-ão a ser incontroláveis.
-
Mas parece-me haver aqui um problema nessa "revolução do pensamento macroeconómico mainstream".É que o conflito entre a urgência conjuntural dos apoios a perda de rendimentos salariais e de micro, médios empresários e a necessidade estrutural de combinação de fiscalidade progressiva e valorização salarial será um conflito entre horizontes de tempo e perspectivas "táticas" e estratégicas. A não ser que os apoios sejam já desenhados e implementados com sentido estratégico.
ResponderEliminarMuito obrigada pelo seu comentário, Meu Caro Amigo: não tinha ainda reparado nele.
ResponderEliminarTem razão no que diz: os apoios urgentes de curto prazo serão tanto mais necessários, substanciais e também ...ineficazes quanto mais e por maid tempo se tenha feito sentir a ausência de uma estratégia de longo prazo...
Muito obrigada pelo seu comentário, Meu Caro Amigo: não tinha ainda reparado nele.
ResponderEliminarTem razão no que diz: os apoios urgentes de curto prazo serão tanto mais necessários, substanciais e também ...ineficazes quanto mais e por maid tempo se tenha feito sentir a ausência de uma estratégia de longo prazo...