11 janeiro 2020

O comportamento do “nosso querido Trump”


Não sou médico, psiquiatra ou psicólogo, o que não me impede de querer acompanhar, interpretar e qualificar o comportamento do surpreendente novo ator da cena política internacional, que ocupa a Presidência dos Estados Unidos. Os acontecimentos desta semana no Irão não nos permitem que possamos estar distraídos.

A necessidade de, permanentemente, fazermos os caminhos da Paz, da concórdia e da solidariedade não cessa de nos ser recordada pelas mais credíveis instâncias internacionais, nomeadamente pelo Papa Francisco e pelo Secretário Geral da Nações Unidas. Perante estes alertas, o Presidente dos Estados Unidos, com a necessidade que revela de, permanentemente, estar presente nas grandes agências noticiosas, toma uma atitude de desafio e surge como que querendo, voluntariamente contrariar os consensos laboriosamente alcançados pela comunidade internacional. 

Pode atribuir-se a este comportamento alguma racionalidade? Contrariamente ao que sistematicamente se tem vindo a dizer, eu creio que sim.

Não me parece que possa ser suportadas a grande maioria das interpretações que temos visto procurar explicar esse comportamento, em termos de “show off”, de comportamento errático, de irresponsabilidade, de violação de todas as regras da convivência internacional, de loucura, etc. Estes juízos têm como referência os normais comportamentos no seio de uma sociedade civilizada, que necessita de gerir interdependências. Trump está noutra galáxia.

Sendo verdade que sempre haverá alguma razoabilidade nas apreciações antes referidas, não me parece que elas sejam capazes de nos tirar a nossa sede de compreensão. O que pode, então, ser acrescentado?

Entendo que há que começar por não esquecer o percurso da vida deste personagem antes de chegar à presidência dos EUA. Trump, depois de ter tido a responsabilidade de vários negócios ruinosos, virou a página e tornou-se num construtor e promotor de imobiliário, de sucesso, primeiro nos EUA e, depois, noutras partes do mundo.

Convém recordar que o conseguiu apesar, ou talvez por causa, da sua ignorância acerca do funcionamento do mundo complexo construído na sequência da II Grande Guerra, do seu desprezo, ou ignorância, por uma ética em que estejam presentes os valores da Justiça e da Paz. A única coisa que lhe importa é o seu ego. Para isso, adopta como estratégia tudo fazer para que, a todo o momento e em qualquer lugar do mundo, poder reivindicar-se do exclusivo da “iniciativa”, ainda que para isso seja necessário passar por cima, de todos e todas, de compromissos assumidos na condução da vida económica e das políticas internacionais, etc.

É difícil encontrar ente mais desprezível no mundo da convivência internacional, por muito que o buscássemos. Tudo faz de modo a que os interlocutores se transformem em seus subordinados. Não encontraríamos melhor representante do que mais insano se pratica no mundo dos negócios. E o que é certo é que este comportamento encontra acolhimento em muitos dos seus concidadãos, nomeadamente oriundos da classe média. Por isso, foram eles, sobretudo, os maiores responsáveis da sua eleição.

Além disso, o seu aparecimento em público é, e sempre uma demonstração da falta de cultura, da ausência de valores, da incapacidade de articular três frases seguidas, de usar uma linguagem que ultrapasse simples lugares comuns. Frequentemente, o seu vocabulário parece reduzir-se a uma percentagem muito reduzida do léxico possuído pelo resto dos seus concidadãos.

E, contudo, a comunidade internacional parece olhar com indiferença para todas as suas diatribes. E porquê? Não será estranha a esta indiferença a circunstância dos EUA continuarem a ser a maior potência económica, política e militar, embora se reconheça que a maturidade das instituições da Nação americana estará em condições de neutralizar as medidas e declarações que possam pôr em causa a paz mundial.

Habituados que estávamos a olhar para os dois grandes partidos institucionais dos EUA, como garantes da estabilidade mundial, interrogo-me, hoje, como é que o partido republicano pode acolher no seu seio um tal personagem? Certamente, porque ainda não foi capaz de descalçar esta incómoda bota.

Para melhor justificar o que acima vem dito recordemos alguns episódios do seu percurso desde que chegou a Presidente dos EUA.

Mesmo antes, ainda em campanha eleitoral, deixou marcas a sua afirmação de que só ele iria ser capaz de tornar, de novo, a América um país “Grande e Respeitado”. O que é que naquela cabeça isto significa? Significa, que na América, ele fala e todos os restantes ficam calados ou comportam-se como cães de trela.  Não quer dizer que se comportem imediatamente como Trump desejaria, mas também é verdade que não ousam contrariá-lo abertamente.

Recordem-se as suas iniciativas de puxão de orelhas relacionadas com o financiamento da Nato, as altercações com Macron por ocasião de uma sua deslocação à Europa, qual imperador deslocando-se aos territórios administrados por seus delegados, etc. Mas há mais: as suas declarações acerca do futuro da União Europeia; as suas ameaças de destruição da Coreia do Norte para pouco tempo depois declarar que o seu ditador é, afinal bom rapaz e poderá com ele construir uma sólida amizade; o seu atentado contra o general Soleimani, para no dia seguinte proclamar que, afinal é possível construir com o Irão uma boa convivência.

Muitos outros casos poderiam ser referidos, mas estes são suficientes para mostrar que a cabeça de Trump não tem outra ambição que não seja a de mostrar que, tanto na cena nacional, como na cena internacional, ele não tem que assumir compromissos com ninguém, porque só ele pode ser iluminado como o grande maestro do concerto das nações.

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