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27 outubro 2019

Investimento de impacto, o novo dogma?


A actual crise do capitalismo tem vindo a deparar-se tanto com propostas mais ou menos consistentes de modelos alternativos como com tentativas de recuperação deste modo de produção. Neste campo abundam as “soluções” neoliberais, variando desde as medidas tendentes a regenerar a epiderme do capitalismo, não pondo em causa nem os seus princípios nem os fins últimos, até às que ostensivamente se posicionam como formas de revitalização do sistema “desde o osso”. 
De entre estas, destaca-se o investimento de impacto, agora tão propalado pela imprensa económica, como meio urgente de salvação.[1]

Não se trata propriamente de um conceito novo, mas convém ler, ou reler, algo do que mais significativo se tem escrito a seu respeito. Por investimento de impacto, ou investimento de impacto social, entende-se em geral o investimento, geralmente privado, que obedece a três parâmetros: o do risco, o do retorno e o da capacidade de contribuir para “a better society for all”[2]. Na reunião do G8 de 2014, as opiniões sobre a nova receita eram tão optimistas que houve quem referisse tratar-se de “the ground zero af a new deal”[3], enquanto que as previsões apontavam para um volume de crescimento deste novo sector muito superior ao que entretanto se tem vindo a verificar.

Um dos principais problemas associado a este investimento reside, precisamente, em quais as iniciativas que deverão promover “a better society for all”, isto é, os objectivos sociais e ambientais deste novo tipo de investimento. Tratar-se-á de objectivos de impacto macroeconómico, ou global, como por exemplo, a diminuição do risco de seca severa em determinadas regiões? Surge então a questão: terá a iniciativa privada, neste caso necessariamente de grande dimensão, ou mesmo o chamado terceiro sector, estímulo e meios suficientes para um tal empreendimento? Como garantir um retorno financeiro mínimo que sirva de estribo a um tal investimento de indiscutível bondade? Qual o papel do Estado num tal processo? Encará-lo-á, ou não, como complementar a políticas públicas de sua responsabilidade ou, eventualmente, como uma oportunidade de se libertar em parte das mesmas?

Os teóricos proponentes deste tipo de investimento dividem-se também quanto à forma de operacionalização do mesmo: alguns, mais próximos das abordagens do desenvolvimento comunitário, partem de um caderno de encargos social, como por exemplo um programa pré-estabelecido (por quem?) de reinserção social de ex-reclusos que contribua para diminuir a reincidência, liderado por um consórcio de empresas e do terceiro sector, eventualmente por parcerias público-privadas e pela administração local[4]. Outros, mais exigentes e talvez mais rigorosos, começam por estabelecer ser indispensável um enquadramento favorável, no qual se increvam as regulações ambientais, e a legislação sobre formas de propriedade, política fiscal e outra. Continuam referindo ser isto possível não só a nível nacional mas também em espaços como a União Europeia, sujeitos a regras comuns que, no entanto… poderão servir de importantes barreiras burocráticas a iniciativas deste tipo.

Uma outra questão fundamental prende-se com a avaliação e medida dos benefícios sociais e ambientais que efectivamente decorram dos investimentos de impacto. Tendo sido já propostas diversas grelhas e escalas de medida, elas não registam unanimidade, como seria de prever: os objectivos de ordem social, como em parte também os ambientais, são societais, i.e., específicos a cada sociedade, variam com o tempo, a conscientização e a mobilização social… até numa mesma comunidade. Em outro momento, um objectivo de reinserção social relativamente à tal população ex-reclusa poderá passar não só pela prevenção da reincidência como pela promoção da sua contribuição produtiva, por exemplo. Como se mediriam os benefícios eventuais do investimento no primeiro caso? Por comparação com um eventual grupo de controlo que – em outro tempo, ou espaço…- não tivesse sido abrangido pelo mesmo programa, por exemplo. Já na segunda hipótese, esperar-se-ia ver intervir indicadores económicos como a taxa de emprego ou a variação da produtividade… E como separar os efeitos “sociais” dos decorrentes dos outros tipos de resultados mais convencionais proporcionados pelo mesmo investimento?

Seja como for, a principal questão prende-se, do nosso ponto de vista, com o financiamento do investimento social. As experiências até agora desenvolvidas combinam, em geral, múltiplas formas de financiamento: privado, eventualmente público e/ou proveniente do sector sem fins lucrativos mas fundamentalmente intermediados pelo capital financeiro – hedge funds, financial institutions, foundations, mutual funds... [5]- , não só com origem na banca mas mesmo com base em experiências de inovação financeira, como as acções de investimento social. Ou seja, o capitalismo ao reencontro dos seus desígnios mais profundos. Como quer Durão Barroso e os seus apressados seguidores. De resto, e como terá proferido na conferência já referida, se queremos defender a manutenção da economia aberta e de sociedades livres, então há que demonstrar que não é o capitalismo que põe em causa o planeta e que agrava as desigualdades (sic).

Ou não fosse esta a voz da Goldman Sachs…


[1] Ver, por exemplo, o artigo “Investir com Impacto” que Joana Mateus publica na revista de Economia do Expresso de hoje, 26 de Outubro, onde se transcrevem excertos da intervenção de Durão Barroso, actual presidente da Goldman Sachs International, em conferência realizada em Lisboa por iniciativa de um influente escritório de advogados.
[2] Excerto do Relatório da reunião anual do G8, Reino Unido, 2014.
[3] Lawrence Summers (2014), Secretário do Tesouro Norte-americano.
[4] Mulgan, G. et al (2011). Social Impact Investment: the challenge and opportunity of Social Impact Bonds. The Young Foundation, www.youngfoundation.org
[5] Cf. Nota 4.

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