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24 outubro 2019

A proposta da OCDE para tributar as empresas multinacionais


O escândalo da fuga aos impostos por parte das multinacionais tem vindo a ser denunciado desde há muito  mas, apesar da  dimensão dos prejuízos causados aos orçamentos dos estados por tais práticas (segundo o FMI, pelo menos 500 mil milhões de dólares por ano), ainda não foi possível colocar-lhe travão eficaz.

O argumento da alta tecnicidade envolvida nas soluções estudadas não é convincente, pois o que está em causa é, acima de tudo, um problema político, uma questão de desequilíbrio de poder, dada a dimensão das empresas em causa e a sua influência sobre os governos e algumas entidades  internacionais.

Segundo Antonio Ocampo, presidente da ICRICT (Comissão Independente para a Reforma da Tributação Corporativa Internacional), poderá  ser que a raiva das  vítimas da austeridade desde a crise financeira de 2018 tenha contribuído para  activar a reacção de governos com maior peso negocial, como por exemplo  a Índia.

Certo é que a OCDE tem dado alguns passos no sentido de maior transparência e justiça tributária, mas de ambição limitada, ao mesmo tempo que  a realidade vai mudando com o aumento do peso das transacções de serviços e o avanço da economia digital.

No dia 9 de Outubro do ano corrente  a OCDE apresentou uma nova proposta para limitar a fuga aos impostos  pelas multinacionais, a qual,  após passagem  no G20, deverá  ser objecto de acordo político em 2020.

Um aspecto positivo que os analistas anotam na proposta da OCDE é o tratamento dos grupos multinacionais como uma entidade única e o princípio da distribuição dos lucros pelos diferentes países em que actuam.

À primeira vista pareceria então que tudo estaria resolvido…se não fosse a forma tímida como a OCDE propõe atingir os objectivos de equidade.

Segundo um estudo de Alex Cobham, da Tax Justice International, que comparou a sua proposta com a da OCDE, esta última apenas capta  5% dos lucros que estão nos paraísos fiscais e favorece sobretudo os países ricos, contra 60% na sua proposta, mais favorável aos países pobres, que são os mais prejudicados com a evasão fiscal. Os factores explicativos de tão grande disparidade de resultados residem na determinação do lucro a distribuir e na fórmula de repartição dos lucros pelas diferentes jurisdições: apenas de acordo com as vendas ou,como a ICRICT defende, conforme o emprego e os recursos naturais utilizados.

Tendo presente que 40% dos lucros das multinacionais são transferidos para os paraísos fiscais, podemos apreciar como são divergentes as duas propostas referidas, no meio das quais estará uma outra, vinda do FMI.

Não menor é a crítica apresentada por Stiglitz em Project Syndicate, de 7 de Outubro de 2019 no seu artigo No More Half- Measures on Corporate Taxes[1], onde são apontados os principais pontos fracos do sistema vigente, com relevo para os preços de transferência, manipulados mas  aceites como equivalentes a preços de mercado, situação que  a proposta da OCDE ( pouco clara, no seu entender),  ao canonizar o gradualismo não resolve de forma satisfatória.

Stiglitz advoga ( como a ICRICT) a  necessidade de uma tributação mínima, da ordem de 25%, a taxa efectiva média que, nos países desenvolvidos, recai sobre os lucros, sendo estes correctamente determinados e não apenas os “ lucros residuais” como na proposta da OCDE. A não ser estabelecida esta regra, haverá  uma convergência em direcção a um valor menor, com efeito contrário ao pretendido, que é o aumento de contribuição fiscal das  multinacionais.

Sabemos como os governos, incluindo na UE, continuam a competir por atrair as multinacionais  através de baixas de impostos, minimizando os custos de tais práticas, sobretudo a menor  capacidade de levarem  a cabo as políticas de desenvolvimento e  bem-estar pelas quais são responsáveis e que deveriam ser a principal  medida do seu bom desempenho.

Assim, esperamos que até à aprovação da reforma da fiscalidade internacional, prevista acontecer em Junho de 2020, possa ser reformulada a proposta em análise para que não continue a situação de iniquidade que tem prevalecido.





[1] https://www.project-syndicate.org/commentary/oecd-proposal-multinational-tax-avoidance-by-joseph-e-stiglitz-2019-10

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