A
actual crise do capitalismo tem vindo a deparar-se tanto com propostas mais ou
menos consistentes de modelos alternativos como com tentativas de recuperação
deste modo de produção. Neste campo abundam as “soluções” neoliberais, variando
desde as medidas tendentes a regenerar a epiderme do capitalismo, não pondo em
causa nem os seus princípios nem os fins últimos, até às que ostensivamente se
posicionam como formas de revitalização do sistema “desde o osso”.
De entre
estas, destaca-se o investimento de impacto, agora tão propalado pela imprensa
económica, como meio urgente de salvação.[1]
Não
se trata propriamente de um conceito novo, mas convém ler, ou reler, algo do
que mais significativo se tem escrito a seu respeito. Por investimento de
impacto, ou investimento de impacto social, entende-se em geral o investimento,
geralmente privado, que obedece a três parâmetros: o do risco, o do retorno e o
da capacidade de contribuir para “a better society for all”[2].
Na reunião do G8 de 2014, as opiniões sobre a nova receita eram tão optimistas
que houve quem referisse tratar-se de “the ground zero af a new deal”[3],
enquanto que as previsões apontavam para um volume de crescimento deste novo
sector muito superior ao que entretanto se tem vindo a verificar.
Um
dos principais problemas associado a este investimento reside, precisamente, em
quais as iniciativas que deverão promover “a better society for all”, isto é,
os objectivos sociais e ambientais deste novo tipo de investimento. Tratar-se-á
de objectivos de impacto macroeconómico, ou global, como por exemplo, a
diminuição do risco de seca severa em determinadas regiões? Surge então a
questão: terá a iniciativa privada, neste caso necessariamente de grande
dimensão, ou mesmo o chamado terceiro sector, estímulo e meios suficientes para
um tal empreendimento? Como garantir um retorno financeiro mínimo que sirva de
estribo a um tal investimento de indiscutível bondade? Qual o papel do Estado
num tal processo? Encará-lo-á, ou não, como complementar a políticas públicas
de sua responsabilidade ou, eventualmente, como uma oportunidade de se libertar
em parte das mesmas?
Os
teóricos proponentes deste tipo de investimento dividem-se também quanto à
forma de operacionalização do mesmo: alguns, mais próximos das abordagens do
desenvolvimento comunitário, partem de um caderno de encargos social, como por
exemplo um programa pré-estabelecido (por quem?) de reinserção social de
ex-reclusos que contribua para diminuir a reincidência, liderado por um
consórcio de empresas e do terceiro sector, eventualmente por parcerias
público-privadas e pela administração local[4].
Outros, mais exigentes e talvez mais rigorosos, começam por estabelecer ser
indispensável um enquadramento favorável, no qual se increvam as regulações ambientais,
e a legislação sobre formas de propriedade, política fiscal e outra. Continuam
referindo ser isto possível não só a nível nacional mas também em espaços como
a União Europeia, sujeitos a regras comuns que, no entanto… poderão servir de
importantes barreiras burocráticas a iniciativas deste tipo.
Uma
outra questão fundamental prende-se com a avaliação e medida dos benefícios
sociais e ambientais que efectivamente decorram dos investimentos de impacto. Tendo
sido já propostas diversas grelhas e escalas de medida, elas não registam
unanimidade, como seria de prever: os objectivos de ordem social, como em parte
também os ambientais, são societais, i.e., específicos a cada sociedade, variam
com o tempo, a conscientização e a mobilização social… até numa mesma
comunidade. Em outro momento, um objectivo de reinserção social relativamente à
tal população ex-reclusa poderá passar não só pela prevenção da reincidência
como pela promoção da sua contribuição produtiva, por exemplo. Como se mediriam
os benefícios eventuais do investimento no primeiro caso? Por comparação com um
eventual grupo de controlo que – em outro tempo, ou espaço…- não tivesse sido
abrangido pelo mesmo programa, por exemplo. Já na segunda hipótese,
esperar-se-ia ver intervir indicadores económicos como a taxa de emprego ou a
variação da produtividade… E como separar os efeitos “sociais” dos decorrentes
dos outros tipos de resultados mais convencionais proporcionados pelo mesmo
investimento?
Seja
como for, a principal questão prende-se, do nosso ponto de vista, com o
financiamento do investimento social. As experiências até agora desenvolvidas
combinam, em geral, múltiplas formas de financiamento: privado, eventualmente
público e/ou proveniente do sector sem fins lucrativos mas fundamentalmente
intermediados pelo capital financeiro – hedge
funds, financial institutions, foundations, mutual funds... [5]-
, não só com origem na banca mas mesmo com base em experiências de inovação
financeira, como as acções de investimento social. Ou seja, o capitalismo ao
reencontro dos seus desígnios mais profundos. Como quer Durão Barroso e os seus
apressados seguidores. De resto, e como terá proferido na conferência já
referida, se queremos defender a
manutenção da economia aberta e de sociedades livres, então há que demonstrar
que não é o capitalismo que põe em causa o planeta e que agrava as
desigualdades (sic).
Ou
não fosse esta a voz da Goldman Sachs…
[1] Ver, por
exemplo, o artigo “Investir com Impacto” que Joana Mateus publica na revista de
Economia do Expresso de hoje, 26 de Outubro, onde se transcrevem excertos da
intervenção de Durão Barroso, actual presidente da Goldman Sachs International,
em conferência realizada em Lisboa por iniciativa de um influente escritório de
advogados.
[2] Excerto
do Relatório da reunião anual do G8, Reino Unido, 2014.
[3] Lawrence
Summers (2014), Secretário do Tesouro Norte-americano.
[4] Mulgan, G. et al (2011). Social
Impact Investment: the challenge and opportunity of Social Impact Bonds. The
Young Foundation, www.youngfoundation.org
[5] Cf. Nota
4.
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