Já
não constitui novidade a preocupação que vários economistas de renome vêm
demonstrando com o futuro do capitalismo, expressa em diversos estudos e
análises que vão surgindo cada vez mais. É de assinalar a coincidência temporal
de dois desses trabalhos de fundo, de Lance Taylor e de Joseph Stiglitz
sobre os quais aqui reflectimos.
Colocamos,
desde já, a seguinte questão: pode o capitalismo renascer das cinzas, como a
Fénix? Á sua maneira, cada um dos
autores mostra acreditar nessa possibilidade.
Convidado
a pronunciar a lição anual Heilbroner Memorial[1] sobre o futuro do
capitalismo, Taylor debruçou-se essencialmente sobre três tópicos fundamentais:
a desigualdade crescente na repartição dos rendimentos, as consequências desta
sobre o não funcionamento automático de qualquer dinâmica intrínseca ao sistema
e as condições de crescimento sustentado.
Embora
se centre essencialmente na economia norte americana, evidencia aspectos comuns
às chamadas economias desenvolvidas, como a do aperto da classe média entre os
1% do topo e a larga base da distribuição dos rendimentos, impedindo que as
dinâmicas esperadas do consumo, poupança e procura interna, em geral, cumpram a
sua função dinamizadora. Por outro lado, a análise da estrutura de rendimentos
de cada uma das três grandes classes mostra como o seu enviesamento para as
rendas de propriedade e os ganhos de capital e financeiros, no topo, a par do
estreitamento dos rendimentos potencialmente “dinamizadores” do consumo e
poupança da classe média, bloqueiam a própria dinâmica de crescimento. Como, na
sua opinião, o estabilizador salário real/produtividade não conseguiu funcionar
nos últimos 50 anos e, por sua vez, a não haver qualquer intervenção, a redução
da desigualdade deverá demorar ainda mais, o crescimento sustentado está em
causa. Defende por isso uma mudança radical na intervenção pública,
essencialmente através da política de transferências, bem como o reforço de
outras instituições do estado social, como a negociação salarial.
No
último fim de semana teve lugar em Trento o Festival da Economia[2]. O Institute for New
Economic Thinking que nele participou expôs, entre outros trabalhos inovadores,
esta lição de Lance Taylor que considera profundamente inovadora.
Ao
mesmo tempo, Joseph Stiglitz escrevia a 30 de Maio último, no Project Syndicate,
o seguinte:
Growth is lower than it was in the quarter-century
after World War II, and most of it has accrued to the very top of the income
scale. After decades of stagnant or even falling incomes for those below them,
neoliberalism must be pronounced dead and buried (Stiglitz, J. After Neoliberalism, Project Syndicate, 30/5/2019)[3].
Entende o autor que a saída para a crise do capitalismo não está no
nacionalismo de extrema direita nem no reformismo de centro esquerda mas no que
designa por esquerda progressiva a qual, na sua proposta, deveria promover o que
designa por capitalismo progressista.
E nova questão nos apetece colocar: poderá existir um
capitalismo progressista? O que entende Stiglitz por isso?
Antes de mais, uma articulação equilibrada entre mercado,
estado e sociedade civil: como o mercado tem sido o causador da instabilidade
financeira, da desigualdade crescente, da degradação ambiental… só uma tal
articulação poderá superar o actual estado de coisas. O estado deve, portanto,
exercer a regulação sobre o funcionamento do mercado em domínios como aqueles.
Defende também que deverá ser o estado, e não o mercado, a
promover bens (que deveriam ser...) de acesso público, como a investigação, a
tecnologia, a educação, a saúde. De modo a que se consiga conceber novas formas
de as largas massas da população “trabalharem em conjunto para a promoção do
bem comum”, a intervenção e regulação públicas são fundamentais, continua
Stiglitz, acrescentando:
Markets still have a crucial role to play in
facilitating social cooperation, but they serve this purpose only if they are
governed by the rule of law and subject to democratic checks. (Ibidem).
Um terceiro aspecto tem a ver com a concentração tremenda
do poder de mercado contra o enfraquecimento sistemático do poder negocial dos
trabalhadores; daí que se torne indispensável trabalhar no sentido do reforço
da intervenção do estado e também na dos sindicatos, recuperando a negociação
colectiva. Finalmente, Stiglitz ocupa-se das relações entre poder
económico e poder político. Escreve, a propósito:
Economic power and political influence are mutually
reinforcing and self-perpetuating, especially where, as in the US, wealthy
individuals and corporations may spend without limit in elections. (…) Progressive-capitalist reforms thus have to begin by curtailing the
influence of money in politics and reducing wealth inequality.
Admitindo
que se pode reformar o capitalismo, como ambos crêem, as grandes linhas de
orientação poderão passar por propostas como estas.
O
busílis, no entanto, é o mesmo de sempre: como fazer isto acontecer, de facto e
na prática?
[1] Lance
Taylor é Professor Emérito na New School for Social Research, em Nova Yorque: https://www.newschool.edu/nssr/. Esta sua lição está editada em vídeo e
disponível em https://2019.festivaleconomia.eu/home.
[2] Os trabalhos e actividades do Festival podem
ser consultados em: https://2019.festivaleconomia.eu/home.
[3]
Acessível em https://www.project-syndicate.org/commentary/after-neoliberalism-progressive-capitalism-by-joseph-e-stiglitz-2019-05?utm_source=Project+Syndicate+Newsletter&utm_campaign=8ee112737b-sunday_newsletter_2_6_2019&utm_medium=email&utm_term=0_73bad5b7d8-8ee112737b-105507773&mc_cid=8ee112737b&mc_eid=5ac231d6fc
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