03 junho 2019

Joseph Stiglitz, Lance Taylor e o futuro do capitalismo


Já não constitui novidade a preocupação que vários economistas de renome vêm demonstrando com o futuro do capitalismo, expressa em diversos estudos e análises que vão surgindo cada vez mais. É de assinalar a coincidência temporal de dois desses trabalhos de fundo, de Lance Taylor e  de Joseph Stiglitz sobre os quais aqui reflectimos.

Colocamos, desde já, a seguinte questão: pode o capitalismo renascer das cinzas, como a Fénix?  Á sua maneira, cada um dos autores mostra acreditar nessa possibilidade.

Convidado a pronunciar a lição anual Heilbroner Memorial[1] sobre o futuro do capitalismo, Taylor debruçou-se essencialmente sobre três tópicos fundamentais: a desigualdade crescente na repartição dos rendimentos, as consequências desta sobre o não funcionamento automático de qualquer dinâmica intrínseca ao sistema e as condições de crescimento sustentado.

Embora se centre essencialmente na economia norte americana, evidencia aspectos comuns às chamadas economias desenvolvidas, como a do aperto da classe média entre os 1% do topo e a larga base da distribuição dos rendimentos, impedindo que as dinâmicas esperadas do consumo, poupança e procura interna, em geral, cumpram a sua função dinamizadora. Por outro lado, a análise da estrutura de rendimentos de cada uma das três grandes classes mostra como o seu enviesamento para as rendas de propriedade e os ganhos de capital e financeiros, no topo, a par do estreitamento dos rendimentos potencialmente “dinamizadores” do consumo e poupança da classe média, bloqueiam a própria dinâmica de crescimento. Como, na sua opinião, o estabilizador salário real/produtividade não conseguiu funcionar nos últimos 50 anos e, por sua vez, a não haver qualquer intervenção, a redução da desigualdade deverá demorar ainda mais, o crescimento sustentado está em causa. Defende por isso uma mudança radical na intervenção pública, essencialmente através da política de transferências, bem como o reforço de outras instituições do estado social, como a negociação salarial.

No último fim de semana teve lugar em Trento o Festival da Economia[2]. O Institute for New Economic Thinking que nele participou expôs, entre outros trabalhos inovadores, esta lição de Lance Taylor que considera profundamente inovadora.

Ao mesmo tempo, Joseph Stiglitz escrevia a 30 de Maio último, no Project Syndicate, o seguinte:

Growth is lower than it was in the quarter-century after World War II, and most of it has accrued to the very top of the income scale. After decades of stagnant or even falling incomes for those below them, neoliberalism must be pronounced dead and buried (Stiglitz, J. After Neoliberalism, Project Syndicate, 30/5/2019)[3].

Entende o autor que a saída para a crise do capitalismo não está no nacionalismo de extrema direita nem no reformismo de centro esquerda mas no que designa por esquerda progressiva a qual, na sua proposta, deveria promover o que designa por capitalismo progressista.

E nova questão nos apetece colocar: poderá existir um capitalismo progressista? O que entende Stiglitz por isso?

Antes de mais, uma articulação equilibrada entre mercado, estado e sociedade civil: como o mercado tem sido o causador da instabilidade financeira, da desigualdade crescente, da degradação ambiental… só uma tal articulação poderá superar o actual estado de coisas. O estado deve, portanto, exercer a regulação sobre o funcionamento do mercado em domínios como aqueles.

Defende também que deverá ser o estado, e não o mercado, a promover bens (que deveriam ser...) de acesso público, como a investigação, a tecnologia, a educação, a saúde. De modo a que se consiga conceber novas formas de as largas massas da população “trabalharem em conjunto para a promoção do bem comum”, a intervenção e regulação públicas são fundamentais, continua Stiglitz, acrescentando:

Markets still have a crucial role to play in facilitating social cooperation, but they serve this purpose only if they are governed by the rule of law and subject to democratic checks. (Ibidem).

Um terceiro aspecto tem a ver com a concentração tremenda do poder de mercado contra o enfraquecimento sistemático do poder negocial dos trabalhadores; daí que se torne indispensável trabalhar no sentido do reforço da intervenção do estado e também na dos sindicatos, recuperando a negociação colectiva. Finalmente, Stiglitz ocupa-se das relações entre poder económico e poder político. Escreve, a propósito:

Economic power and political influence are mutually reinforcing and self-perpetuating, especially where, as in the US, wealthy individuals and corporations may spend without limit in elections. (…) Progressive-capitalist reforms thus have to begin by curtailing the influence of money in politics and reducing wealth inequality.

Admitindo que se pode reformar o capitalismo, como ambos crêem, as grandes linhas de orientação poderão passar por propostas como estas.
O busílis, no entanto, é o mesmo de sempre: como fazer isto acontecer, de facto e na prática?




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