Desde há cerca
de um ano começamos a ouvir falar do “Movimento pelo Interior” e do seu
propósito de trazer algo de completamente novo, em termos de medidas que seria necessário
tomar para combater a assim chamada desertificação do Interior. Em várias
ocasiões o Movimento trouxe à comunicação social conhecimento do modo como
estavam a avançar os seus trabalhos. Simultaneamente, teve audiências com as entidades
de maior representação política na vida do país e foram realizadas reuniões de
reflexão e divulgação em várias cidades.
Em 18 de maio
último o Movimento, com a maior
solenidade, apresentou o seu Relatório contendo a reflexão e os trabalhos realizados e, ao
mesmo tempo, anunciou que o Movimento se extinguiria no dia seguinte. E assim
foi.
A propósito da interpretação
desta extinção muito se poderia dizer. Por um lado, ela pode querer transmitir
a ideia de que o Movimento fez o seu trabalho para o doar ao País. Este deveria
agora merecê-lo e dar a continuidade às medidas de política que o Relatório
continha. Por outro, muito embora o Movimento se tenha extinto é muito difícil
compreender como é que o amplo leque de personalidades que com ele estiveram
envolvidas, aproveitando, porventura, a boleia de uma noite de nevoeiro, se vão esfumar, da
nossa vida política e coletiva. Elas vão continuar a estar presentes,
defendendo pontos de vista diversos e exercendo lóbi, pessoal ou institucional,
qualquer que venha a ser a dinâmica que aquele Relatório possa vir a gerar.
Nenhuma análise
detalhada daquelas medidas pode ser realizada respeitando as dimensões dos textos
aqui publicados. Mesmo assim, alguns comentários sobre o enquadramento em que as
medidas virão a ser aplicadas, podem ser feitos. As medidas do Relatório têm como
elemento genético o propósito de se apresentarem como radicais em relação a
tudo o que tem vindo a ser feito até aqui. A justificação é a de que, a
continuarmos com as rotinas anteriores, tudo permanecerá sem que nada de
significativo se modifique. Mais medida, ou menos medida, nada passará de umas
simples “cóceguinhas” à situação conhecida e mais do que diagnosticada.
As medidas apresentadas,
que pretendem ter efeitos estruturantes, são 25 e encontram-se agrupadas em
três grandes eixos: medidas de política fiscal, medidas com vista à ocupação do
território e medidas no âmbito dos processos educativos. Torna-se manifesto que
as medidas enunciadas trazem algo de novo, ao discriminarem positivamente o
Interior, sem que isso signifique que se discrimine negativamente o Litoral.
Do meu ponto de
vista, uma fragilidade central do programa de intervenção apresentado tem a ver
com a circunstância de as medidas serem enunciadas para o Interior, como um
todo não diversificado, como se o Interior pudesse ser tomado como um
território homogéneo. Onde se pode reconhecer que alguma diversidade é tida em
conta é no eixo da Educação.
Em termos
gerais o qualificativo “homogéneo” significa que, qualquer que seja o ponto do
interior ele se comportará do mesmo modo face às medidas adotadas, porque
possui os mesmos recursos e as mesmas capacidades. Sabemos bem que os vários
pontos do território não possuem estas características. Sabemos mais. A
desertificação que tanto se refere, não é mais do que uma consequência do fato
de as medidas de política económica e social, tomadas a nível nacional, não
saberem valorizar adequadamente as diferentes especificidades regionais. Valorizar as diferentes especificidades regionais implica saber escolher as medidas de incentivo adequadas, isto é, as que produzem melhores resultados, que podem ser umas numa região e não serem as mesmas noutras. Não se vê que estas especificidades tenham sido tidas em conta.
Sabemos bem que
a grande aspiração de qualquer território é, a partir dos recursos que possui, nele
criar dinamismo que seja capaz de, atrair e fixar, mão de obra qualificada,
iniciativa empresarial, criar infraestruturas de mobilidade ajustadas às
apetências dos recursos e das empresas, etc. Se assim é, que fazer?
Os economistas
e a generalidades das pessoas que refletem sobre estas questões costumam referir,
e bem, que um território só se pode tornar um espaço atrativo para recursos e
iniciativas se, tendo em conta os recursos de que já dispõe, souber reunir os “fatores
de localização” adequados àquele propósito.
E quais são
esses fatores? Em geral estão sempre presentes considerações acerca de mão de
obra qualificada, de vias de comunicação acessíveis, de política fiscal atrativa, da
existência de respostas céleres e adequadas por parte das administrações locais
ou regionais, etc, etc. Poderemos dizer que esses fatores estão em grande parte
presentes no Relatório do Movimento.
Então o que
falta? O que falta é consequência de os mesmos fatores de localização poderem
ter pesos diferentes nos processos de decisão, de território para território e
isso não ter sido tomado em consideração. Há, por isso, que saber identificar,
em cada território, qual é o peso relativo de cada fator de localização.
Os que tiverem
maior peso deverão merecer maior atenção por parte das várias administrações. Não
parece que este trabalho tenha sido feito e, por isso, o Movimento para o
Interior, por muito mérito que tenha o seu trabalho, arrisca-se a não levar para
o Interior o movimento que desejava. Por isso, a radicalidade que se pretende atribuir
às medidas propostas, poderá não se traduzir em radicalidade de resultados. Para além disso, como as medidas de política não produziram os resultados desejados, os recursos mobilizados são pura perda, isto é, utilização ineficiente dos recursos, ou seja, desperdício.
Ainda se está a
tempo de corrigir a orientação, mas para isso será necessário estar disponível
para arrepiar caminho.
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