Está prevista para amanhã a assembleia geral de accionistas de uma das principais instituições bancárias do nosso País. O facto não mereceria evidencia se não fora o insólito de um dos temas em agenda: a atribuição de um reforço de pensão vitalícia ao conjunto dos seus actuais gestores, com o argumento (!) de que os mesmos não foram devidamente remunerados nos anos de crise. No conjunto, poderão vir a receber mais de 4 milhões de euros, a repartir individualmente, e a atribuir de uma só vez na data em que obtiverem a reforma.
O insólito da proposta merece consideração.
Todos sabemos a desproporção que existe entre os ganhos auferidos pelos actuais gestores das grandes empresas, nomeadamente no sector bancário, e o nível médio das remunerações dos restantes trabalhadores. Desigualdade que muito se amplia quando se comparam níveis de remuneração da banca com o conjunto da economia nacional.
A engenhosa inovação agora proposta para os gestores de uma dada instituição bancária só seria defensável se pudesse ser aplicável, por analogia, a todos os funcionários do referido banco que, também eles, poderão sempre advogar a constituição de um eventual fundo de reforço das suas pensões, uma vez que os seus salários não progrediram como seria expectável.
Acresce que, levando mais longe o argumento, porque a instituição financeira em causa beneficiou de ajuda pública para obviar aos desequilíbrios das respectivas contas, ou seja, beneficiou dos impostos dos contribuintes, cabe lembrar que, por razões de equidade, também a solução deveria ser replicável na sociedade em geral.
Não o sendo, como é óbvio, trata-se manifestamente de uma forma encapotada de extorsão ou apropriação indevida de riqueza, mesmo que venha a merecer a aprovação de uma dada assembleia geral de accionistas e, posteriormente, secundada pela designada comissão de ética para as remunerações.
O excedente que parece existir no exercício contabilístico da instituição merece, assim, consideração à luz da critérios de responsabilidade social mais exigentes no que se refere à sua repartição: os trabalhadores, os clientes, o reforço do investimento e da solidez futura da própria empresa, a sociedade e o bem comum…
A este propósito, não posso deixar de recordar algumas palavras sábias do papa Francisco: Há uma circularidade natural entre lucro e responsabilidade social. Há de facto um ‘vínculo indissolúvel […] entre uma ética que respeita as pessoas e do bem comum e a funcionalidade real de cada sistema económico e financeiro (discurso recente aos participantes na Conferência Internacional da Fundação «Centesimus Annus pro Pontifice»).
Concluo dizendo que, a meu ver, o mero acto de incluir em agenda da assembleia de accionistas a referida proposta revela-se insensato e perigoso pelo precedente que cria à luz de princípios básicos de ética empresarial.
Se vier a existir uma deliberação em sentido positivo estamos perante um atentado à justiça social que merece reflexão política.
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