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01 junho 2018

Arquitetos, Engenheiros e Ordenamento do Território

Este post é escrito na sequência e por causa da promulgação, pelo Sr. Presidente da República, de um diploma que permite que alguns engenheiros possam continuar a assinar projetos de arquitetura. É, também, conhecido o debate intenso que, neste momento, existe na sociedade portuguesa a propósito do ordenamento do território, nomeadamente, depois dos incêndios de 2017 e com a importante discussão em curso em torno do Programa Nacional de Política de Ordenamento do Território (PNPOT). Ora, a admissão daquela possibilidade tem consequências importantes sobre o ordenamento do território, como o procurarei mostrar a seguir.
Um pouco de história
De que se trata? Estamos a falar de projetos de obras a apresentar para aprovação, junto das câmaras municipais, pelos "donos da obra", e cujos projetos de arquitetura deveriam ser da responsabilidade de arquitetos. Esta obrigatoriedade de aprovação pelas câmaras municipais não existia há algumas décadas atrás e, por isso, cada um fazia a casa que entendia, independentemente das consequências que daí pudessem resultar para o seu enquadramento paisagístico e para o ambiente.
A obrigatoriedade desta aprovação foi uma boa iniciativa, só que surgiu num tempo em que os arquitetos existentes não eram em número suficiente e não tinham capacidade para dar resposta a toda a procura por ela gerada. Pensou-se, então, que os engenheiros civis, que já tinham responsabilidades sobre componentes importantes da obra, poderiam ser autorizados a assinar, também, os projetos de arquitetura. Não se esqueça, ainda, que os honorários com que os arquitetos se faziam remunerar constituíam uma parte não desprezível nos custos da obra, o que levava a que os seus donos procurassem outras alternativas.
Os engenheiros e os gabinetes de engenharia rodearam-se de equipes que apoiassem a elaboração dos projetos de arquitetura, onde os desenhadores passaram a ter uma importância determinante. Também, sobretudo em meios de pequena dimensão, os desenhadores ganharam autonomia, em relação aos engenheiros, para conceber os projetos de arquitetura. Como, no entanto, não os podiam assinar, para apresentação junto das câmaras municipais, estabeleciam acordos com engenheiros civis que se disponibilizaram a assiná-los.
Recordemos que os engenheiros civis obtinham, nessa altura, a sua graduação, apenas através da Faculdade de Engenharia do Porto e do Instituto Superior Técnico, o que levava a que ninguém colocasse questões sobre a qualidade da sua formação.
Sobretudo, a partir da década de 60 a construção de imobiliário, em meio rural, sofreu um impulso nunca conhecido antes, graças às facilidades de crédito à construção entretanto criadas e à iniciativa dos emigrantes desejosos de terem “uma casa na terra”. Foram os engenheiros (os desenhadores) que deram resposta a grande parte deste acréscimo de procura.
 
A formação e qualificação de arquitetos e engenheiros e a assinatura de projetos
Entretanto, o mercado de formação de arquitetos e engenheiros sofreu profundas alterações com o aparecimento da iniciativa privada na formação de arquitetos e engenheiros (eram as designadas licenciaturas de papel e lápis). Mas tratava-se de licenciaturas reconhecidas pelo Ministério da Educação e, por isso, os graus qualquer que fosse a escola de origem, possuíam igual valor. Sabemos que o mercado não tardou a fazer a diferenciação que entendeu que deveria ser feita. E começou-se a tomar conhecimento de que havia situações de desemprego, quer entre arquitetos, quer entre engenheiros.
A discussão acerca do problema de saber quem deveria ter capacidade para assinar projetos de arquitetura foi, então, intensa na sociedade portuguesa. Culminou com a aprovação, em 2009, de uma lei (Lei nº 31/2009) que determinou que apenas os arquitetos podiam assinar projetos de arquitetura. Os engenheiros, no entanto, não foram colocados no “olho da rua”. Foi criado um mecanismo transitório que ganhou validade até 2018, segundo o qual os engenheiros poderiam continuar a assinar projetos de arquitetura, até essa data.
Findo o período transitório as nossas “forças vivas” entenderam que havia que encontrar uma solução, pelo menos para os engenheiros que tinham os seus negócios e atividade estabilizados. E assim surgiu a lei agora promulgada pelo Sr. Presidente da República. Para além de outras tem uma consequência importante, que é a de vir a estabelecer que o regime só é aplicável aos engenheiros licenciados pela Faculdade de Engenharia do Porto, Instituto Superior Técnico, pela Universidade do Minho e pela Universidade de Coimbra. Isto é, a diferenciação que o mercado já tinha estabelecido passou, agora, a ter o Estatuto de Lei.
A assinatura de projetos e o ordenamento do território
Isto já vai longo e, por isso, a ponte entre a assinatura de projetos de arquitetura e o ordenamento do território vai ser estreita. Antes de mais, o que deveremos entender por “ordenamento do território”? Os próprios termos delimitam o seu objeto: trata-se de ordenar o território. Ora o território, ordena-se, ganha ordem, através da forma como nele se inserem áreas rurais, florestas, áreas urbanas, edifícios industriais, zonas residências, como se cuida do ambiente, da paisagem etc. A ordem que se quer, terá que ser objeto de consenso societário e deverá ter em conta todas estas componentes.
Está claro que também lá estão os edifícios, residenciais ou não. E aqui coloca-se a questão de saber quem deverá ou pode ter capacitação para conceber a arquitetura dos edifícios e a sua integração com as restantes componentes do ordenamento do território.
Por vezes diz-se que o nosso país é muito bonito e nada é mais apreciável do que as pessoas gostarem da sua terra. No entanto, gostar da sua terra não é o mesmo que gostar da forma como como a generalidade dos edifícios se têm implantado na paisagem, nomeadamente nas zonas rurais, embora se deva reconhecer a existência de relações entre ambas. Deste ponto de vista, a grande maioria do nosso país é muito feio. Salvam-se alguns centros de cidade e aldeias históricas e tradicionais.
Como é que aqui chegamos? Grande parte da situação é explicada pelo atraso e pobreza das nossas aldeias e das nossas gentes, antes da década de 70. Mas uma parte não despicienda, sobretudo em relação às construções dos últimos 40 anos, resulta do fato de que ninguém poderá exigir que sejam concebidos bons projetos de arquitetura por quem não tem formação em arquitetura. Isto não quer dizer que os engenheiros não a possam ter ou vir a ter.

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