A
descentralização tem sido objeto de notícias recentes que surgem na sequência
da celebração de um acordo entre o partido do governo e o principal partido da
oposição. São notícias que só podem ser consideradas bem-vindas, não tanto por
causa do acordo, mas porque ele cria oportunidade para se aprofundar o conteúdo
e a vivência da descentralização.
Esse
aprofundamento só poderá acontecer se o ponto de partida tiver uma fundamentação
com bases rigorosas e seguras. De outro modo, os processos de descentralização
que se pretende implementar podem servir para enfeitar ativismos e vaidades,
mas não passarão disso. Ora, com o que já se conhece parece que nem tudo o que
deveria ter sido acautelado, o foi. Vejamos porquê.
Importa revisitar
os fundamentos e deles retirar as conclusões que encerram. A âncora principal
da descentralização reside na convicção generalizada de que os processos de
tomada de decisões são mais eficientes (menores custos para realizar os mesmos
objetivos) e geram situações de melhor bem-estar, se se desenvolverem na
“proximidade” dos cidadãos. Partindo deste pressuposto foi enunciado o
princípio da subsidiariedade que é, habitualmente, apresentado como sendo fundador
da descentralização. De que se trata?
O princípio da
subsidiariedade diz uma coisa muito simples: numa hierarquia de tomada de
decisões nenhuma deve ser tomada a um nível
superior se o pode ser melhor a
um nível inferior. Se assim for, maximizar-se-á a proximidade aos cidadãos, a
eficiência e o bem-estar.
Só que o que é
aparentemente simples está rodeado de numerosas indeterminações. Elas são, no
entanto, suscetíveis de ser superadas. Para o conseguirmos muito lucraríamos
se, apesar das nossas especificidades, fossemos capazes de estar atentos às
experiências sedimentadas de muitos outros países, nomeadamente europeus.
As
indeterminações andam à volta do que é que é um “nível” e do que é ser
“melhor”. Um nível é determinado por uma escala espacial. Por isso, o nível
municipal é inferior ao regional e este ao nacional. A avaliação do que é ser
melhor não tem conteúdo completamente objetivo. Depende dos consensos que os
cidadãos, em cada comunidade, obtiverem em torno de objetivos.
Daqui decorre
que se uma decisão tomada a um nível inferior o não for de modo eficiente a
esse nível e o puder ser a um nível superior (regional, por ex.) então ela
estará mais próxima dos cidadãos se for tomada a nível regional e não a nível
municipal. Como se vê, a noção de proximidade, contrariamente ao que é
vulgarmente entendido não tem, apenas, um conteúdo de distância física, mas
também, o de eficiência.
Há um critério
que permite determinar o nível (a escala) adequado para a tomada de decisões.
Esse critério é o da ”área de influência” das decisões tomadas. Se essa área
for superior à de um município então ela não pode ser tomada de forma eficiente
a esse nível e deverá ser tomada por um nível superior. Insistir, a todo o
transe, na municipalização das decisões como forma de concretizar a
descentralização não conduz a outra coisa que não seja ao desperdício de
recursos.
Bem sei que
todos os processos de mudança institucional, como o é este, devem ser
implementados de forma gradual, mas isso não significa que, por ex., em
primeiro lugar se deva organizar o nível municipal e depois o regional. Os
processos de organização, num e noutro, são complementares e mais uma vez se
pode dizer que realizar um sem o outro se traduz em desperdício de recursos.
Não é por nele menos se falar que o desperdício deixa de existir.
Todos os
indicadores nos parecem dizer que estamos a ficar mais ricos e mesmo assim
muitos apelam à necessidade de reformas estruturais só que se esquecem de dizer
que as reformas estruturais que invocam são as suas, que podem ser diversas das
que são exigidas para se atingirem objetivos diferentes dos seus. Bom seria que
a reforma dos processos espaciais de tomada de decisões, incluindo os do nível
regional, fosse rapidamente considerado como reforma estrutural urgente.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Os comentários estão sujeitos a moderação.