A Economia ensina-nos que,
em termos agregados e a seguir a um processo de recessão, raramente os
indicadores económicos regressam aos níveis anteriores aos da crise e, quando o
fazem, levam normalmente bastante tempo a recuperar as perdas. Esta é, talvez,
a forma mais simples de introduzir o conceito de histerese. Aplica-se à retoma
dos níveis de emprego, nos mercados de trabalho, da recuperação do investimento
líquido e de substituição ou, ainda, da reutilização da restante capacidade
produtiva excedentária, fenómenos que, cumulativa ou isoladamente, tendem a
ocorrer após as crises e recessões. Como é evidente, a admissão da existência
de histerese coabita mal com as hipóteses de reajustamento e reequilíbrio
automáticos dos mercados mas hoje poucos economistas, mesmo os mais
convencionais, se atrevem a negar a sua verificação.
De forma coincidente, também
o pensamento económico dominante tende a persistir, mau grado a desautorização
que as crises vêm trazendo à maioria das suas hipóteses teóricas. Muitos dos pensadores
de referência, economistas e colectivos de alunos de Economia críticos do mainstream têm mesmo vindo a considerar
que aquela resiliência constitui uma das principais surpresas a que se assiste
no rescaldo da última grande crise da economia.
Muito avisadamente, em
entrevista reproduzida na última newsletter
do Institute of New Economic Thinking (ver aqui)
Pasinetti explica-nos por que razão tal sucede. Antes de mais, convém perceber
que os jovens economistas – na Itália, mas não só – têm pouco ou nenhum
contacto com abordagens plurais e alternativas ao neo-clacissismo nos actuais programas
de formação da maioria das universidades, como é bem conhecido. É certo que múltiplas
iniciativas de estudantes, jovens investigadores e docentes, críticos do pensamento económico dominante, têm vindo a ocorrer, especialmente
depois da recente crise[1]. Objecto de numerosas
acções de divulgação e de debate académico nos dias que correm, dificilmente as
mesmas passam despercebidas.
No entanto, a academia
resiste.
Uma das principais razões
para isso decorre, também ela, da globalização. O conhecimento, actualmente o principal
factor de produção – e de concorrência – é tão mais facilmente apropriado, divulgado,
transferido e comparado quanto mais homogénea for a sua codificação. A
concorrência internacional, jogo de forças em permanente recomposição mas
sempre a favor dos interesses dominantes, joga em prol do conhecimento aceite
como bom, certificado e normalizado, o conhecimento oficial, nas palavras de
Michael Apple. Ou seja, o conhecimento resultante do pensamento “sancionado” e,
como tal, acreditado internacionalmente, certificado e pseudo legitimado
através de rankings internacionais de
instituições de ensino superior, por exemplo. E, também, através de revistas
internacionais como as que integram as categorias A dos repertórios
bibliométricos acreditados para efeitos de publicação científica.
Conhecimento cuja reprodução
interessa, pois, assegurar.
Assim, se explica a inércia
dos programas de formação em disciplinas básicas das licenciaturas em Economia,
concebidos e ministrados por docentes cuja avaliação e progressão na carreira
dependem fundamentalmente da publicação de artigos nas condições acima
descritas. Artigos que, como refere Pasinetti, muitas vezes nem chegam a ser
lidos pelos painéis de avaliação, já que a simples publicação em tais revistas
serve de credencial bastante.
E, no entanto, valeria bem a
pena levar a cabo uma investigação mais detalhada a grande parte do material
assim publicado e também ao que fica de lado porque não conforme aos cânones
das publicações de referência. Constatar-se-ia, então, o enorme desperdício que
assim se produz de resultados de investigação pertinente para as realidades
concretas das sociedades em que tem origem[2].
[1]
Mas ainda antes, devido a
trabalhos precursores como os de J.-P. Fitoussi no movimento Autisme-Économie (http://www.autisme-economie.org/rubrique1.html).
Ver também movimentos Rethinking Economis
e Reteaching Economics (http://www.rethinkeconomics.org/, http://reteacheconomics.org/), para
além de contributos regulares do
Institute of New Economic Thinking, já referido.
[2] Ver, por exemplo, Chagas Lopes, M.
& Fernandes, G. (2018). Research Evaluation, Bibliometric Indicators and Impacto
n Knowledge Development… The IUP Journal of Knowledge Management,
vol. XVI (1).
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