29 agosto 2012

A RTP, os palácios, os repuxos de água, os concertos de câmara, os jardins de buxo e o crescimento das Relvas

Um título estranho que, afinal, tem muito a ver com a realidade que estamos vivendo. Parece que as suas várias componentes não têm nada a ver umas com as outras mas, como veremos, estão profundamente entrosadas.

Todos temos uma perceção mais ou menos clara, do que são bens e serviços públicos e bens e serviços privados. É comum considerar-se como bens e serviços públicos os que são possuídos pelas administrações públicas e como bens e serviços privados os que são detidos por pessoas individualmente, qualquer que seja o título que justifica a sua apropriação.

É uma distinção que, no entanto, gera muitas erradas interpretações, porque tende a confundir as formas de gestão com a verdadeira raiz da existência dos bens ou serviços públicos.

Em economia há, um critério mais rigoroso para definir o que são bens públicos. São bens públicos os que obedecem às propriedades de “não rivalidade”, de “não exclusividade” e de “indivisibilidade”. 

Parece que a introdução desta nova terminologia só vem complicar as coisas quando elas precisavam de ser simplificadas. Não é esse o caso, como veremos.

A propriedade da “não rivalidade” significa que um indivíduo, ao consumir um bem ou serviço (por ex. passear num jardim, ouvir um concerto num espaço público), não faz concorrência, isto é, não limita o benefício que outro indivíduo pode retirar desse mesmo consumo.

A “propriedade da não exclusividade” significa que nenhum indivíduo pode apropriar-se em exclusividade do bem ou serviço, ainda que o deseje.

A “propriedade da indivisibilidade” tem como consequência o bem ou serviço não poder ser consumido às parcelas; ou se consome todo, ou não se consome.

Nos “bens ou serviços públicos puros” estas propriedades verificam-se em qualquer tempo ou lugar. É fácil de compreender, no entanto, que estes critérios sofrem limitações: no tempo, porque um serviço que hoje é público, pode não o ter sido no passado (por exemplo a distribuição de energia elétrica) e inversamente; no espaço, já que o que é tomado como público numa determinada cidade, pode não o ser numa outra (por ex. a existência de uma orquestra sinfónica financiada pelos poderes públicos da cidade).

Há quem considere que só podem ser públicos os bens ou serviços cujas propriedades decorrem das suas características naturais (o ar, a água da chuva, e as forças armadas, por ex.). No entanto, é cada vez mais generalizada a opção segundo a qual os bens e serviços são públicos, não apenas por causa da sua natureza mas, também, em consequência de opções de caráter político. Isto acontece quando, por ex., uma sociedade, uma comunidade, entende que determinados bens ou serviços, que só beneficiam determinadas classes privilegiadas, devem passar a beneficiar toda a população, passando as autoridades públicas a ter a responsabilidade de proporcionar a todos, o acesso a esses bens e serviços.

E cá estamos nós chegados à RTP, aos palácios, aos repuxos de água, aos concertos de câmara, aos jardins de buxo e ao crescimento da Relva.

A televisão tanto entre nós, como na grande maioria dos outros países, foi concebida como um serviço público porque se considerou que a informação e os outros serviços que disponibiliza têm que estar acessíveis a todos, em igualdade de condições e garantindo uma total característica de isenção. Esse é um dos fundamentos da sociedade democrática. Isto não significa que não possam existir canais de televisão de iniciativa privada, embora convenientemente regulados pelo Estado. Contudo, a iniciativa privada não substotui a iniciativa pública.

 Se a televisão fosse considerada, apenas, um serviço privado, ou mesmo só objeto de concessão a privados, os valores, acima referidos, que se pretendia proteger podem ser postos em causa. Vide o que poderia acontecer se a concessão, após a realização de concurso público internacional, fosse atribuída a um canal ou entidade estrangeira. De pouco valerá falar de que não tem que haver receio argumentando que a forma da gestão dos programas estará pré-fixada nas condições da atribuição da concessão.

Quanto aos palácios, já houve tempo em que eram domínio privado. Hoje, a grande maioria deles é propriedade pública e está sujeita à gestão pública e podem ser usufruídos por toda a população.

De igual modo nos poderíamos referir aos repuxos de água que no passado só estavam disponíveis nos jardins dos palácios, para gáudio dos nobres que aí habitavam.

A música de qualidade também só estava acessível a poucos. Quem não conhece a contratação de compositores e músicos por reis, príncipes e papas? Ao povo, às vezes, ficava reservado o canto do “nosso fado”.

Os jardins de buxo são composições de rara beleza de cuja observação a grande maioria de nós não poderia beneficiar, a menos que espreitasse pelo buraco da fechadura dos palácios. Hoje, eles são, na sua grande maioria, considerados um bem público.
 
 Acontece que não há jardins dignos desse nome sem um bom tapete de Relva, o que só é possível se a Relva for de qualidade. Entre nós os principais tipos de relva são: o escalracho, a bluegrass, a ryegrass, a festuca e a bermuda. A plantação ou semeadura de cada uma delas não tolera, no entanto, o crescimento de ervas daninhas, com grande facilidade confundidas com a verdadeira relva. A estas, ou estes, Relvas há que dar um combate incansável, sem o que eles darão cabo de todo o jardim, nomeadamente, pelos efeitos perversos resultantes das tentativas de criação de comunidades urbanas, de transmissão de informações biológicas que eliminam a relva boa ou de se envolverem em reformas administrativas pouco sustentadas.

Estas são algumas das tentativas que vemos proliferar e que rapidamente podem fragilizar os nossos jardins (democracia).

Compreenderam? 

Espero que sim.

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