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13 novembro 2017

Panteão nacional: porque não um concurso?

Aparentemente parece que tudo já terá sido dito a propósito do jantar de personalidades do Web Summit, que teve lugar no Panteão Nacional. Eu, creio que não. Os comentários feitos foram-no sobre a espuma que vem nas ondas sem que os autores do que foi dito se tivessem interrogado sobre o que, afinal, está a produzir a espuma.

Não serei, certamente, eu capaz de realizar toda a análise da razão de ser do acontecido, mas aqui vos trago uma parte da reflexão que importa fazer. Os factos são conhecidos.

A realização de eventos no espaço central do Panteão Nacional é fenómeno recente, embora a possibilidade dessa realização já estivesse prevista há alguns anos. Porque é que se admitiu como válida essa possibilidade?

Se antes ela não estava prevista e depois passou a estar, o que é que poderá justificar uma tal mudança de posição? Os orçamentos da cultura têm constituído, desde há muito, o parente pobre na mesa do orçamento. Surgiu, então, uma mente iluminada que pensou que havendo espaços disponíveis em monumentos nacionais eles poderiam ser utilizados (alugados) para a realização de eventos sociais. Um Sr. Secretário de Estado foi responsável pela publicação de um regulamento; fixaram-se preços de aluguer (módicos aliás) e admitiu-se que, desse modo, se obteriam fontes de receita que em muito facilitariam a gestão de múltiplos monumentos nacionais.

Em alguns casos admitiu-se que certas utilizações pudessem levantar problemas, mas o regulamento contemplava a possibilidade de, em cada caso, poder haver um juízo de valor sobre a oportunidade da sua realização. Adicionalmente, sempre se poderia usar o argumento de que desde há muito antigos mosteiros têm vindo a ser recuperados como pousadas e não poucas vezes vemos os espaços das nossas igrejas a ser utilizados como palco de concertos, exposições, etc.

Quem assim pensa é como se não fosse capaz de distinguir as bolotas de um sobreiro, das de um carvalho ou das de uma azinheira. São diferentes e a árvore também é diferente. Uma coisa é realizar um concerto numa igreja, outra é aí deixar funcionar, mesmo que experimentalmente, uma discoteca ou um concerto de música pimba. Relativamente ao Panteão já se disse que nos túmulos não havia pessoas. Pergunta-se: e se houvesse a diferença seria grande?

Mas o mais relevante não está no que aconteceu, mas na filosofia que está subjacente ao aluguer dos espaços para a realização de eventos. Quem organiza os eventos presta um serviço aos clientes. Ora quem presta um serviço pode, ao longo do tempo, vir a sofrer pressões para que o serviço modifique as suas características e, por ex., no caso de um jantar inclua desfiles de moda ou quaisquer outros complementos, mais ou menos apropriados ou picantes.

Feito este caminho não é difícil ir mais longe. Como a administração pública não é necessariamente quem melhor pode organizar o serviço, ou serviços, que são solicitados, talvez o melhor seja estabelecer uma parceria público privada em que a entidade a quem foi adjudicado o serviço se compromete, perante o Estado, a permitir o usufruto do bem público isto é o acesso ao que constitui a memória coletiva dos nossos heróis, podendo para além disso utilizar o espaço monumental para os efeitos que entender mais convenientes.

Tal vez haja mesmo quem pense que tanto para a prestação do serviço público, como para a prestação do serviço privado, uma entidade privada poderá assegurar uma melhor qualidade dos serviços do que a que seria garantida por um serviço público. Logo, não percamos tempo.


Privatize-se o Panteão! É só mais um.

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