Chiu . . . silêncio para ver se se
consegue perceber alguma coisa.
O barulho causa ruído e o ruído é
inimigo da lucidez, da boa compreensão do que está em discussão e de decisões
assertivas.
E porquê vir, agora, ao barulho? Tenhamos
como pano de fundo a forma como, nos últimos tempos, se tem vindo a discutir o
passado, o presente e o futuro da economia e da sociedade portuguesas. Mais
imediatamente tenho presente o ruído, provocado pelas apreciações que os media e outras manifestações públicas,
nos têm trazido, acerca das previsões da evolução da economia e sociedades
portuguesa: vai haver sanções, ou não vai haver sanções? O crescimento da
economia será maior ou menor do que 1,5%? O deficit público situar-se-á nos
2,2, 2,3 ou 2,8%? O deficit privado vai ser de (isto não interessa, esqueçam!);
será que aumentar o consumo faz crescer ou decrescer a economia? As exportações
vão aumentar ou diminuir? E as importações? O afluxo de capital estrangeiro vai
ter aplicações produtivas ou servir para aquisições de ativos já existentes? E
muitas outras questões se poderiam colocar.
Porque é que venho afirmar que o
fundo para as respostas é quase exclusivamente de barulheira? São várias as
características das discussões a que temos assistido que justificam o ruído que
ouvimos e que têm impossibilitado que nos ouçamos uns aos outros. Vejamos
algumas.
A discussão de resultados
A maioria das discussões a
que sobre as matérias enunciadas temos assistido têm vindo a centrar-se quase
exclusivamente nas expectativas (opiniões, impressões) que cada um possui acerca
dos resultados que serão alcançados e raramente sobre as metodologias e os
pressupostos que justificam que se atinjam os resultados que se pretende
defender.
Por vezes, alguns encartados, para justificar
uma ou outra posição, á socapa, retiram
do bolso uma folha de A4 e dizem: eu tenho aqui um gráfico que prova isto mesmo;
outras vezes em vez de um gráfico puxam de um quadro e dizem: de acordo com
os meus números . . . Como se um gráfico ou um quadro (agora também há quem
lhes chame “tabela”), só por si, justificasse o que quer que fosse.
Para que o exercício tivesse algum
grau de razoabilidade seria indispensável que se referissem as fontes, para que
pudessemos ajuizar da seriedade do ponto de partida, e se explicitassem as
metodologias de análise que permitiriam, ou não, credibilizar o rigor da
análise que tiver sido realizada. No entanto, o conhecimento de uma e outras
não constituem, só por si, condição suficiente para que se consiga aquele
objetivo.
É que entre a informação de base e
os resultados que se defendem estão formas de relacionar as variáveis, umas que
possuem caráter objetivo (identidades, por ex.) e outras que dependem do ponto
de vista do analista que é condicionado por esta ou aquela teoria
interpretativa (relações funcionais) e pelos pontos de vista que ele próprio
defende, de acordo com a sua forma de ver e se situar no mundo.
Por isso, dizer que o meu
resultado é melhor do que o teu, sem o suportar numa metodologia de análise, é
simples barulho ensurdecedor que nada esclarece.
O suporte institucional das avaliações
Do que se disse atrás
compreende-se, com facilidade, que a análise económica não é exercício fácil
para quem para tal não obteve a formação adequada. Contudo, possuir as
competências técnicas necessárias não quer dizer que tendo-se partido do mesmo
conjunto de informação de base, dois técnicos ou duas instituições, perante o
mesmo objetivo, venham a obter os mesmos resultados. É que nas suas formulações
também os técnicos são obrigados a admitir hipóteses, a socorrer-se das
interpretações que lhe são sugeridas por um determinado suporte teórico, a
adotar uma certa forma de olhar a economia e a sociedade.
O que se diz dos técnicos deve,
igualmente, ser afirmado a propósito das instituições, por ex., o Banco de
Portugal, o Ministério das Finanças, o Conselho de Finanças Públicas, a Unidade
Técnica de Apoio Orçamental, o Banco Central Europeu, a Comissão Europeia, o
Fundo Monetário Internacional, as agências de rating, os gabinetes
universitários, etc. Isto é, qualquer análise ou avaliação possui, por traz de
si, pressupostos que alguns têm dificuldade em chamar ideologia, já que
entendem que a haver ideologia ela só existe na análise dos outros, quando
afinal, não há avaliação sem ideologia, quer se queira ou não seja
explicitá-la.
É por isso que, tanto ou mais
importante do que discutir os resultados, é abrir a “caixa negra” e analisar
como funcionam e se articulam os mecanismos que lá estão dentro. Ficaremos,
todos, tanto mais esclarecidos quanto mais abertas (transparentes) forem as
caixas negras e quanto maior for o número de caixas negras radiografadas.
Em Portugal, contrariamente ao que
acontece em outros países europeus e não só, para além das instituições oficiais, são quase inexistentes a
instituições independentes a fazer projeções macroeconómicas. Nesta matéria, o número reduzido de instituições
não oficiais a realizar projeções macroeconómicas, em lugar de oportunidade de
poupança de recursos é razão para o seu desperdício.
O Parlamento só ganharia e
ganhariam os portugueses se, em lugar de criar instituições com exclusividade
de análise, contratualizasse com instituições independentes, universitárias,
por ex., a realização de projeções, a discutir em confronto com as que já têm
vindo a ser realizadas. Talvez deixássemos, desse modo, de discutir variações
de décimas no comportamento dos principais agregados macroeconómicos, sabido
que é que essas diferenças podem ser mais explicadas por erros de medição, diferente
avaliação do comportamento das variáveis associadas à informação de base e,
muito menos pelo comportamento real da economia.
Estou seguro que, desse modo,
teríamos oportunidade para obter esclarecimento, mais sobre questões
substanciais e menos sobre guerras de décimas e de alecrim e manjerona.
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