Após as revelações escandalosas dos
Panamá Papers têm sido múltiplas as declarações condenatórias dos esquemas
fraudulentos praticados com a cobertura dos paraísos fiscais.
Para uns, a questão resume-se a
procedimentos individuais eticamente condenáveis, visto que os paraísos fiscais
são legais; para outros, o problema é global e só globalmente pode ser
resolvido e assim se atira para um futuro mais do que incerto o que pode e deve
ser feito mesmo que a uma escala mais modesta.
A verdade é que, apesar de há muito se
saber da imensa fraude fiscal e do alto grau de impunidade com que empresas e
particulares fogem aos impostos e, mais geralmente, ao cumprimento das leis dos
países ou territórios onde operam, os passos dados para lhes por cobro têm sido
tímidos e ineficazes, continuando as grandes empresas a aproveitar ao máximo
uma forte competição entre os estados europeus em matéria de fiscalidade.
O segredo protege os mais poderosos que
pagam verdadeiras fortunas a intermediários para esconderem os seus
patrimónios, tanto os resultantes de negócios à partida lícitos, como de vias
criminosas. Não há sistema financeiro saudável que resista a tais práticas, as
desigualdades acentuam-se, os orçamentos dos estados ficam sob pressão e a democracia perde
terreno.
Interroga-se Piketty em “Panamá Papers:
Act now. Don’t wait for another crisis”, The Guardian on line de 9 de Abril na
versão de 11 de Abril, a razão pela qual, após 2008, os governos fizeram tão
pouco para combater a opacidade financeira, considerando que tal poderá
dever-se à confiança em que os Bancos Centrais pudessem evitar o colapso
financeiro recorrendo a mais emissão de moeda e assim deixando de lado a
preocupação com uma verdadeira reforma do sistema.
De nada serve pedir delicadamente aos
paraísos fiscais que cessem o seu mau comportamento, escreve Piketty que, como
em outras ocasiões, chama a atenção para a possibilidade de que uma iniciativa
que venha a surgir, partindo de quatro grandes países europeus – França,
Alemanha, Itália e Espanha – rompa com a actual situação: no seu entender, a
proposta de um novo tratado baseado na democracia e na justiça tributária,
centrado na adopção de um sistema de impostos comum, aplicável às grandes
empresas, forçaria outros países a seguirem o mesmo caminho.
Esta ideia, ainda que possa resolver
apenas uma parte dos problemas associados aos paraísos fiscais, previsivelmente
irá suscitar resistências fortes das empresas visadas e não entusiasmará os
governos da União Europeia que apoiam a necessidade do voto unânime para
alteração das regras em matéria fiscal.
Recordamos o que escreveu, em 2010 (1),
um ilustre economista, o Doutor José da Silva Lopes, pois as suas palavras
sintetizam o que nos deve nortear quando falamos de paraísos fiscais:
“os centros off-shore, que são em geral ao mesmo tempo
paraísos fiscais, não servem apenas para permitir a fuga aos impostos. Servem
também para que as instituições financeiras possam escapar às regulamentações
dos países industrializados”.
.....
”… não haverá reforma a sério do sistema financeiro à escala
internacional se não forem impostas condições apertadas aos centros off-shore e
aos paraísos fiscais quanto ao fornecimento, aos países de sede ou residência
das pessoas colectivas ou singulares que neles possuam activos, de todas as
informações relevantes sob o ponto de vista fiscal e da supervisão financeira”.
Por comportamentos individuais
desrespeitadores da ética, mas também por laxismo regulamentar e supervisão
inoperante, quantos prejuízos causaram a Portugal, no passado recente, as
instituições financeiras beneficiárias do secretismo oferecido pelos paraísos
fiscais?
Oxalá o caso dos Panamá Papers não seja
apenas mais um escândalo que o tempo se encarregará de fazer esquecer.
.
(1)
- O texto integral encontra-se em “As reformas dos sistemas de regulação e
supervisão dos sectores financeiros” páginas 51 a 62, da publicação do
Grupo Economia e Sociedade, “Crise e Regulação Financeira”, 2010.
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