Contrariamente ao que sucede na esfera
privada, que prevê a forma de resolver situações de empresas com dívidas
insustentáveis, dando-lhes condições para prosseguirem a sua actividade, não
existe um mecanismo equivalente para reestruturar as dívidas soberanas.
O que sucedeu na Argentina, em que uma
decisão dos tribunais americanos permitiu que uma minoria de “credores – abutres”
impedisse a aplicação de um acordo aceite por 92,2% dos credores, veio
fortalecer a necessidade de procurar consensos que evitassem a repetição
daquele lamentável processo.
Entretanto, o caminho seguido por muitas
economias endividadas, tem sido o recurso ao mecanismo de troca de dívida,
conhecido por “credit default swap”, cuja opacidade esconde facilmente a
intervenção nociva dos tais abutres, que aproveitam para realizarem grandes
lucros.
Acresce que a sugestão, apoiada pelo FMI, de
introduzir cláusulas nos contratos de empréstimo que obrigariam todos os
credores a aceitar os termos de uma reestruturação aceite pela maioria, não se
tem revelado eficiente face à diversidade das leis em diferentes jurisdições.
Em caso algum se podem minimizar as
responsabilidades que cabem a um governo quando vê reconhecida a necessidade de
reestruturar a dívida soberana, sendo este um processo muito mais complexo do
que se estivesse em causa a dívida de uma qualquer empresa privada.
De facto, prolongar situações de dívida
insustentável tem um impacto recessivo na economia que pode ser difícil de
reverter e, por outro lado, limita a possibilidade do estado respeitar os
direitos de todos, não só dos credores formais como dos cidadãos, tendo em
atenção o contrato social que obriga a garantir os seus direitos sociais.
É pois urgente uma lei internacional que
regule o mercado da dívida soberana, num mundo globalizado.
A recente adopção pela Assembleia Geral das
Nações Unidas de uma Resolução (A/69/L.84) que estabelece os “Princípios básicos
sobre o processo de reestruturação das dívidas soberanas”, por 136 votos a
favor, 6 votos contra (EUA, Canadá, Alemanha, Israel, Japão e Reino Unido) e 41
abstenções, constitui um passo significativo, conseguido após vários anos de
difíceis negociações.
Os referidos princípios são, de forma
abreviada, os seguintes: o direito soberano para iniciar uma reestruturação de
dívida; a imunidade da soberania; o tratamento equitativo dos credores;
reestruturação envolvendo uma massa crítica de credores, transparência, imparcialidade,
legitimidade, sustentabilidade e boa fé nas negociações.
O passo seguinte, ou seja, o estabelecimento
de um tratado internacional sobre um regime de insolvência, obrigatório para
todos os países, será certamente mais difícil, como alertam J.E.Stiglitz & Martin
Guzman, no artigo que publicaram em Project Syndicate, a 9 de Novembro, com o
título “ A Step Forward for Sovereign Debt”
.
Desde logo, há diferentes interpretações
legais de alguns daqueles princípios e também alguns dos que votaram contra,
assim como a União Europeia, preferem que seja o FMI a intervir nas negociações
internacionais para a reestruturação das dívidas soberanas.
Como referem os autores, a comunidade
internacional expressou o seu apoio ao princípio da imunidade da soberania, que
estabelece limites que os mercados e os governos não podem ultrapassar. Tal
implica não cair na tentação de aceitar facilidades financeiras de curto prazo,
das quais resultam custos acrescidos a pagar no futuro e obriga, não sendo a reestruturação
um processo de soma nula, a uma justa repartição dos resultados tanto pelos
credores formais como pelos informais.
É longo o caminho a percorrer, como se pode
calcular, dada a oposição declarada dos principais países credores e os
diferentes interesses envolvidos.
Mas tal não deve levar a uma posição
derrotista: como declarou a Argentina, trata-se de uma resolução a favor da
estabilidade económica, da paz social e do desenvolvimento. E não serão estes
objectivos do interesse dos que votaram contra?
Poderá esperar-se que, no seio da União Europeia,
a Alemanha evolua para uma posição diferente da que tem defendido, como seria
do seu próprio interesse num horizonte de longo prazo?
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