25 novembro 2015

A dívida soberana no mundo globalizado



Contrariamente ao que sucede na esfera privada, que prevê a forma de resolver situações de empresas com dívidas insustentáveis, dando-lhes condições para prosseguirem a sua actividade, não existe um mecanismo equivalente para reestruturar as dívidas soberanas.

O que sucedeu na Argentina, em que uma decisão dos tribunais americanos permitiu que uma minoria de “credores – abutres” impedisse a aplicação de um acordo aceite por 92,2% dos credores, veio fortalecer a necessidade de procurar consensos que evitassem a repetição daquele lamentável processo.

Entretanto, o caminho seguido por muitas economias endividadas, tem sido o recurso ao mecanismo de troca de dívida, conhecido por “credit default swap”, cuja opacidade esconde facilmente a intervenção nociva dos tais abutres, que aproveitam para realizarem grandes lucros.

Acresce que a sugestão, apoiada pelo FMI, de introduzir cláusulas nos contratos de empréstimo que obrigariam todos os credores a aceitar os termos de uma reestruturação aceite pela maioria, não se tem revelado eficiente face à diversidade das leis em diferentes jurisdições.

Em caso algum se podem minimizar as responsabilidades que cabem a um governo quando vê reconhecida a necessidade de reestruturar a dívida soberana, sendo este um processo muito mais complexo do que se estivesse em causa a dívida de uma qualquer empresa privada.

De facto, prolongar situações de dívida insustentável tem um impacto recessivo na economia que pode ser difícil de reverter e, por outro lado, limita a possibilidade do estado respeitar os direitos de todos, não só dos credores formais como dos cidadãos, tendo em atenção o contrato social que obriga a garantir os seus direitos sociais.

É pois urgente uma lei internacional que regule o mercado da dívida soberana, num mundo globalizado.

A recente adopção pela Assembleia Geral das Nações Unidas de uma Resolução (A/69/L.84) que estabelece os “Princípios básicos sobre o processo de reestruturação das dívidas soberanas”, por 136 votos a favor, 6 votos contra (EUA, Canadá, Alemanha, Israel, Japão e Reino Unido) e 41 abstenções, constitui um passo significativo, conseguido após vários anos de difíceis negociações.

Os referidos princípios são, de forma abreviada, os seguintes: o direito soberano para iniciar uma reestruturação de dívida; a imunidade da soberania; o tratamento equitativo dos credores; reestruturação envolvendo uma massa crítica de credores, transparência, imparcialidade, legitimidade, sustentabilidade e boa fé nas negociações.

O passo seguinte, ou seja, o estabelecimento de um tratado internacional sobre um regime de insolvência, obrigatório para todos os países, será certamente mais difícil, como alertam J.E.Stiglitz & Martin Guzman, no artigo que publicaram em Project Syndicate, a 9 de Novembro, com o título “ A Step Forward for Sovereign Debt”
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Desde logo, há diferentes interpretações legais de alguns daqueles princípios e também alguns dos que votaram contra, assim como a União Europeia, preferem que seja o FMI a intervir nas negociações internacionais para a reestruturação das dívidas soberanas.

Como referem os autores, a comunidade internacional expressou o seu apoio ao princípio da imunidade da soberania, que estabelece limites que os mercados e os governos não podem ultrapassar. Tal implica não cair na tentação de aceitar facilidades financeiras de curto prazo, das quais resultam custos acrescidos a pagar no futuro e obriga, não sendo a reestruturação um processo de soma nula, a uma justa repartição dos resultados tanto pelos credores formais como pelos informais.

É longo o caminho a percorrer, como se pode calcular, dada a oposição declarada dos principais países credores e os diferentes interesses envolvidos.

Mas tal não deve levar a uma posição derrotista: como declarou a Argentina, trata-se de uma resolução a favor da estabilidade económica, da paz social e do desenvolvimento. E não serão estes objectivos do interesse dos que votaram contra?

Poderá esperar-se que, no seio da União Europeia, a Alemanha evolua para uma posição diferente da que tem defendido, como seria do seu próprio interesse num horizonte de longo prazo?

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