NIM! . . .
Depende da capacidade
que quisermos mobilizar para o aplicarmos em utilizações favoráveis ao bem-estar
de todos.
Apesar do
tudo e muito que já foi dito, estou a trazer, aqui, à ponderação as
circunstâncias que poderão rodear o acesso e a utilização do dinheiro disponível,
na sequência das medidas anunciadas pelo Presidente do Banco Central Europeu
(BCE), no passado dia 22. Conforme os cenários, tanto pode ser dinheiro a mais,
como dinheiro a menos. Tudo depende das circunstâncias que vierem a rodear,
quer a sua mobilização, quer a sua afetação. Procuremos ver o que poderão ser
essas circunstâncias.
Com a criação
do Sistema Monetário Europeu e da Moeda Única foi instituído como seu guardião,
o BCE, com a missão maior de regular a emissão de moeda, de modo a que a
taxa de inflação, na União Monetária, não ultrapassasse os 2%, tendo como
justificação pavores antigos, gerados na sequência da crise de hiper inflação
verificada na Alemanha, nos anos 30 do século passado.
Com a criação
da União Monetária, os Estados membros foram destituídos da utilização de
instrumento “política monetária”, ficando-lhes apenas acessível a política
orçamental. No entanto, como se receou que através da política orçamental os
Estados pudessem desfazer, a nível nacional, o que o BCE configurava a nível da
União, foi instituído o designado Pacto Orçamental, limitando, entre outras, a
capacidade de endividamento público dos Estados Membros.
Ou dito de
outro modo, se os Estados com maior influência política não cumprissem as suas
obrigações, os Estados com estruturas económicas mais frágeis ficariam atados
de pés e mãos. Foi o que aconteceu. E só poderão sair desta, desatando os pés e
as mãos, já que os Estados em que verificam excedentes entendem não abrir os
cordões à bolsa, como era sua recíproca obrigação.
O
fundamentalismo alemão e o condicionamento que, pelo menos até há pouco, tinha
conseguido impor à direção do BCE, conduziu a que, ao evitar os riscos de
inflação, se provocou uma profunda deflação, primeiro nos países do sul da
Europa, mas cujo vírus começa a expandir-se em direção aos Estados que parecia
dele estar imunes. Que fazer?
Não tendo os
países que têm as mãos e os pés atados conseguido quebrar as grilhetas, resta
ao BCE utilizar o único instrumento de que dispõe, a política monetária. Contrariamente
ao que era habitual, em vez de restringir a massa monetária em circulação, vai
agora ampliá-la, através de compras, no mercado secundário, de dívida dos países aderentes, na percentagem
da participação de cada país no capital social do banco, o que no caso
português poderá corresponder a compras de dívida no valor de cerca de 27 mil
milhões de euros.
A questão que
tem que se colocar é a de saber se o doente já não estará de tal maneira
debilitado que este remédio em vez de lhe permitir recuperar a saúde vai, pelo
contrário, atacar o fígado, bloqueando o seu funcionamento, com todas as
consequências que são conhecidas.
Vejamos como
é que as coisas funcionam. Em primeiro lugar, o BCE não vai só comprar dívida
dos países em deflação mais profunda, mas de todos os países membros. Pode até
não ser mau, porque isso pode permitir aos países mais ricos aumentar a procura
de produtos dos países mais débeis. E nos países, como Portugal o que vai
acontecer?
O BCE
dispõe-se a comprar dívida que os Bancos e outras instituições disponham nos
seus balanços. Mas, é evidente, que os Bancos e outras instituições só venderão
a dívida se, com a liquidez adicional obtida, puderem realizar aplicações com
rentabilidade superior à dos títulos que já possuem. De outro modo, guardam os
títulos, não os vendendo ao BCE. Daí que o teto de 27 mil milhões de euros seja
meramente potencial.
Ao venderem
os títulos, os Bancos aumentam a sua liquidez e o BCE pressupõe que, através de
operações de crédito ao investimento produtivo se vai reanimar a economia. Só
que há aqui dois pressupostos que podem falhar. O primeiro, é o de que ninguém
garante que os Bancos ao obter maior liquidez não vão utilizá-la para reforçar,
o seu capital social e outras estruturas financeiras que se encontram debilitadas.
O segundo, é o de que, mesmo que queiram realizar operações de financiamento ao
investimento produtivo, não está garantido que exista procura que possa ser
considerada solvável. Já depois do anúncio feito pelo BCE foi possível ver
banqueiros portugueses vir a terreiro dizer que o problema não é a falta de
dinheiro para financiar o investimento, mas a da não existência de projetos de
investimento suficientemente credíveis.
Então que
concluir? Pelo menos, concluir que o dinheiro do BCE é, parcialmente ineficaz
nos seus propósitos. E haveria algum caminho alternativo? Haveria e há, mas na
ortodoxia do BCE e da União Monetária ele é contra
natura. A medida que o BCE anuncia pretende condicionar o comportamento da
oferta produtiva, mas só por si esta não consegue fazer a festa. É necessário
animar a procura, isto é, o poder de compra de quem vai comprar o que a oferta
rejuvenescida trás ao mercado. Só isso permitirá que a grande maioria dos
projetos de investimento possam ser considerados solváveis.
Ora tal só é
possível mediante uma intervenção musculada do Estado, garantindo a viabilidade
de um programa de investimento e de emprego. Só que para que o Estado assim
intervenha será necessário que obtenha capacidade de financiamento e flexibilização
das regras comunitárias que lhe permitam intervir nos mercados produtivos e do
emprego.
No que
concerne à capacidade de financiamento ela poderia ser obtida caso se admitisse
a possibilidade de reestruturação da dívida. Mas não é a única via.
Há poucos
dias ouvimos a Sr.ª Ministra das Finanças anunciar que, existindo almofada
financeira suficiente, iria iniciar os procedimentos necessários ao reembolso
da dívida ao FMI (26 mil milhões de euros; comparem-se com os 27 mil milhões
que poderão vir do BCE). A outra justificação é a de que o Estado português já
se está a financiar no “mercado livre” a taxas inferiores às que paga ao FMI.
Se isto for verdade,
fica a pergunta: então não se poderia pegar nestes 26 mil milhões e em vez de
fazer o reembolso antecipado ao FMI, utilizá-los para financiar uma política de
investimento e de emprego?
Claro que
sim, mas não faltaria quem viesse logo dizer que com isso iríamos ter um custo
adicional resultante do antes referido diferencial das taxas de juro. É
verdade, mas opção é entre ter esse custo adicional e desbloquear o crescimento
e o desenvolvimento, ou não o ter e continuar a criar condições para que cresça
o subdesenvolvimento.
Já se ouve ao
longe quem cante que “o Estado não deve intervir na Economia, porque como se
sabe é, sempre, um mau gastador”! Isto é outra conversa que já não posso,
agora, continuar.
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