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22 janeiro 2015

As urgências hospitalares e a reforma do SNS

Neste início de ano, pelas piores razões, tem vindo o SNS a ser objecto de constantes notícias: abrem-se inquéritos para apurar se as causas de mortes nas urgências hospitalares se ficaram ou não a dever a longas horas de espera, após triagem dos doentes, para serem observados e tratados.

Perante o alarme público desencadeado e face ao aumento da procura no atendimento urgente, decide o Ministério da Saúde (MS) medidas de emergência destinadas a evitar o caos, mas algumas vidas foram perdidas e nada pode minorar a dôr de quem viveu horas de ansiedade junto dos seus entes queridos, ao mesmo tempo que aumenta o receio de alguém vir a necessitar de acorrer à urgência de um hospital.

A primeira perplexidade é a incapacidade do MS prever os habituais aumentos da procura por parte dos grupos da população mais vulnerável, por razões de idade avançada ou doenças crónicas, face a picos de frio, falhando a mobilização atempada dos recursos do SNS, tanto médicos como enfermeiros.

É enganador pensar que os problemas com que se debate o SNS para cumprir plenamente a sua missão são de caracter conjuntural e se localizam apenas nas urgências hospitalares: os tempos de espera estabelecidos para o atendimento nas urgências quantas vezes e com que extensão não são respeitados ao longo do ano?

Factos como a saída de mais de 6 mil profissionais de saúde do SNS, desde 2009, traduzem-se necessariamente na qualidade dos cuidados prestados pelos que nele teimam em permanecer enfrentando condições de trabalho muito difíceis.

É pois necessária uma mudança profunda na forma de olhar o sector da saúde, sem o que a sangria de recursos poderá vir a criar uma situação de tal forma grave que apenas acorram aos hospitais públicos as pessoas que não têm meios para pagar a privados ou comprar seguros de saúde.

De há muito está feito o inventário do que falta fazer, ao serviço da garantia do acesso universal e da qualidade dos cuidados de saúde, mas defendendo também o controlo dos respectivos custos.

Entre as orientações que têm sido preconizadas, está o reforço dos cuidados de saúde primários, nomeadamente Unidades de Saúde Familiar e Rede de Cuidados Continuados, e a sua distribuição equitativa pelo território nacional; a revisão do sistema de taxas moderadoras (se é que estas servem para alguma coisa, o que é duvidoso); a dignificação das carreiras dos profissionais de saúde e o estímulo para um excelente desempenho (como somos tão generosos que formamos bons médicos e enfermeiros em benefício de países muito mais ricos!); a implementação de formas de organização de trabalho mais eficientes, a articulação entre os diferentes níveis de cuidados até ao hospitalar e o acompanhamento das pessoas em todo o percurso de tratamento.

Se uma nova política de saúde não vier substituir a sucessão de medidas avulsas tomadas nos últimos quatro anos, é de prever que o empobrecimento da grande maioria dos portugueses os impossibilite de dedicar ainda maior parcela dos seus proventos (já acima da média europeia) aos cuidados de saúde, acabando por deixar agravar-se a doença antes de a eles recorrer, no limite, em urgência hospitalar.

Um estudo realizado por três investigadores na UNL de Lisboa (1), que analisou o aumento, depois de 2009, de casos de internamento que entram pela porta das urgências dos hospitais, assinala que os cuidados de saúde primários não estão a corresponder às necessidades, que as pessoas se tratam menos e chegam às urgências em condições de saúde mais severas.

Só respondendo eficazmente a estes problemas, enquadrando as medidas de política de saúde em objectivos a atingir a prazo, cumpre o Estado as suas obrigações de garantir o direito à saúde para todos os portugueses.

(1) The Great Recession in Portugal: Impact on hospital care use – Julian Perelman, Sónia Félix e Rui Santana

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