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02 dezembro 2014

Uma ideia errada de Yunus

No jornal PÚBLICO de ontem (pp.8, 9) o destaque dado a uma entrevista em Londres (à jornalista Joana Gorjão Henriques) é encimado pela seguinte frase de Muhammad Yunus : “ A ideia de procurar emprego está errada. É orientar para outro tipo de escravatura”. [ aqui ]
Apoio as ideias de Yunus sobre microcrédito e sobre empresa ou negócio social e de formas de eliminação da pobreza investindo na capacitação das pessoas.
Mas discordo da frase acima citada, apesar das justificações que Yunus apresenta, ao responder às pertinentes questões da jornalista. Esta, após Yunus ter argumentado à roda da ideia de que “o emprego é um tipo de escravatura porque se está às ordens de outra pessoa”, insistiu: “Como é que seria o mundo só com empreendedores? Não precisamos de pessoas que sigam outras?”. Yunus respondeu: “Seria divertido, toda a gente ia adorar. Imagine que eu seria empreendedor e você também. Você precisava de mim e eu de si, teríamos uma parceria, trabalharíamos juntos. Seríamos livre. E esse seria o nosso trabalho. Faria as coisas porque queria, e não porque precisava.” Mais à frente, responderá: “Eu não digo que toda a gente se vai tornar empreendedor…mas insiste em que se deve dizer aos jovens que sejam empreendedores, mas que se tiverem medo “aceite então um trabalho, mas nunca desista do sonho de ser empreendedor”.
Parece-me que uma ideia subjacente é a de que o trabalho nunca é estruturado colectivamente, mesmo quando se coopera. A cooperação parece ser uma parceria inter-individual de empreendedores. É significativo que ele prefira a palavra parceria e, mais ainda, nunca fale de cooperativas. Mas também penso que não se pode, de forma realista, pensar que cooperativas e negócio social ou “empresas sociais” configurem globalmente a economia, embora essas formas de economia social devessem ter muito mais peso nas economias e sociedades.
Outra ideia subjacente ou que parece resultar desta ênfase na figura do  empreendedor é a desvalorização do trabalho assalariado e do vínculo salarial que ainda é determinante na economia e sociedade. O trabalho não pode ser tratado como mercadoria (lembre-se a Declaração de Filadélfia da OIT) e, de facto, a degradação de vínculos e condições na situação de trabalho fazem com que, hoje em dia, o trabalho-emprego possa muitas vezes considerar-se escravatura, e esteja longíssimo do trabalho como  realização  pessoal e fonte de satisfação intrínseca – “temos é que fazer as coisas de que gostamos”, como diz Yunus na entrevista. Eu diria também que a dimensão dominante do trabalho-emprego deveria ser a dos trabalhadores como actores/agentes e não como instrumentos.

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