17 dezembro 2014

De quem é a culpa do encontrão?

Iam dois senhores a caminhar  no passeio de uma avenida, em sentido contrário, um quase a correr e o outro pausadamente. De repente aconteceu o que nenhum deles esperava. Foram um de encontro ao outro, ficaram atordoados e com alguns hematomas na cara e nos braços. Recuperada alguma serenidade disse o que vinha a correr:

- Ouça lá, oh sua animália, então você anda com a cabeça aonde, para vir, assim, de encontro a mim?
Respondeu o outro:
- Eu! Então eu que vou aqui a caminhar devagar e você vem a correr lá de cima, dá-me um encontrão, e diz que eu é que tenho a cabeça no ar?
Reação imediata:
- Mas eu vou com pressa, não tenho tempo para andar para aqui a passear;
- Ora essa, quem é que lhe disse que eu também não tenho pressa; eu vou devagar, mas é para poder chegar a tempo.
Viraram as costas um ao outro, cada um seguiu o seu caminho, decorados com pequenas hematoses, um na cara e outro no braço. Algum tempo depois, cabeças serenadas, começaram a interrogar-se sobre de quem era a culpa do encontrão. Alguém de fora, que ouviu o relato do episódio disse:
- Ora, ora, de quem é a culpa do encontrão?!. Naturalmente que é dos dois. Então não foram um de encontro ao outro? Não foi só um que foi de encontro ao outro!
Grande sabedoria!
Vem esta história a propósito da greve da TAP anunciada para ocorrer nos dias entre o Natal e o Ano Novo. Os trabalhadores e os seus sindicatos dizem que fazem a greve porque pretendem com essa iniciativa mostrar o seu descontentamento com a anunciada privatização da companhia aérea, companhia de bandeira. O Governo que tutela a companhia, confirma a intenção da privatização e acrescenta que a realização da greve nesta ocasião do ano é totalmente inoportuna, quase antipatriótica: vai aumentar a fragilidade financeira da empresa, causar prejuízos incalculáveis a muitos milhares de famílias, num período particularmente sensível das suas vivências afetivas e deteriorar a imagem e a competitividade do país no exterior.
É verdade! Com grande probabilidade tudo isso pode acontecer. Vamos admitir que os prejuízos daí resultantes são superiores aos que resultarão, para o país, da privatização da empresa. O que é que poderá e deverá então ser feito?
Para evitar o encontrão, isto é, que se venham a verificar os prejuízos há três alternativas que podem ser seguidas:
1.     Os trabalhadores retiram a intenção de greve;
2.     O Governo resolve reequacionar a estratégia de privatização;
3.     O Governo e os trabalhadores anunciam a intenção de iniciarem um processo de conversações, sendo que o primeiro mostra abertura para repensar a questão da privatização.
 
O que parece claro é que não se pode dizer que os prejuízos resultantes da greve vão ter enorme impacto e gravidade e, simultaneamente, manter a rota inicial, que conduz, inevitavelmente, ao encontrão.
 
Porque é que os prejuízos são uma consequência da realização da greve e não são uma consequência da teimosia (outros dirão perseverança) do Governo em manter o propósito da privatização?
 
Sabe-se que o Governo tem pressa e na sua marcha atropela pessoas, valores e patrimónios. Não pode é, depois disso, imputar responsabilidades dos prejuízos causados a quem, mais atento, faz do seu caminhar a defesa dos valores que suportam a vida em sociedade e o bem-estar coletivo. A culpa do encontrão não pode, por isso, ser atribuída só a um dos lados.

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