As notícias que têm vindo a ser dadas na
nossa imprensa, designadamente o jornal Público de 2 e 3 de Novembro, sobre o Acordo
de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento são preocupantes, desde
logo porque põem em evidência o secretismo que tem acompanhado o processo
negocial e levantam sérias dúvidas acerca do realismo dos potenciais benefícios
do TTIP, estimados pela Comissão Europeia, ao mesmo tempo que estarão a ser
desvalorizados os seus efeitos nefastos em matérias tão sensíveis como a
protecção ambiental, a segurança alimentar, os direitos laborais, a saúde, a
liberdade e a privacidade, os serviços financeiros.
Em particular, a chamada cláusula ISDS (
Investor - State Dispute Settlement), que
se refere a um sistema de resolução de conflitos entre o investidor estrangeiro
e o estado de acolhimento, se viesse a ser aprovada, instituiria o direito das empresas multinacionais, da UE e dos EUA, multarem os governos dos países onde
investem por qualquer acção por estes decidida
e que tivesse por efeito reduzir a expectativa de lucros futuros das empresas.
Na prática, os lucros futuros seriam
assimilados a “propriedade” e a simples probabilidade da sua redução daria direito a
indemnização, tudo concorrendo, numa espécie de autocensura governamental, para
enfraquecer o rigor da regulação, alinhando pelo menor denominador comum, mais
próximo da realidade americana.
A amarga experiência de países não europeus
prova que não estamos perante uma ficção,
mas antes o avanço de uma orientação política muito nítida e que tem vindo a ganhar
espaço na economia mundial.
Desta forma, são inteiramente justas as
denúncias de poder estar em causa um
verdadeiro atentado à democracia e uma inversão completa do que devem ser os
valores defendidos pelos governos: se a cláusula ISDS viesse a ser aceite, ao
livre comércio passaria a ser dada a supremacia sobre a defesa da saúde
pública, direitos humanos, protecção ambiental, direitos laborais e outros
direitos sociais.
Acresce ainda que, existindo um sistema
judicial instituído, tanto na Europa como nos EUA, não se compreende uma protecção
adicional aos investidores (e apenas aos
estrangeiros), que sai do âmbito dos tribunais nacionais para ser entregue a um
painel de advogados de negócios, numa jurisdição à escolha da empresa.
Como é possível que a negociação de questões tão
fundamentais como as suscitadas pela Parceria, não tenha que envolver os Parlamentos
nacionais e mesmo o Parlamento Europeu
só possa aceitar ou rejeitar o produto final, negociado pela Comissão Europeia?
O comércio internacional e o investimento
directo estrangeiro são importantes instrumentos de progresso económico que devem ser
incentivados, desde que em condições que
respeitem os direitos sociais, como é obrigação dos governos democráticos.
Para tal, estes podem entender adoptar
medidas de estímulo (por exemplo, negociação de contratos estabelecendo
direitos e obrigações para investimentos de particular relevância, alguma redução
de barreiras aduaneiras ou burocracia sem sentido), o que é bem distinto de
abdicarem do dever de promoção do bem-comum,
submetendo-se ao primado da propriedade privada e concedendo às empresas
transnacionais poderes adicionais aos muitos (demasiados!) que já possuem.
Parabens à Autora por este judicioso comentário. Para fazer frente ao secretismo das negociações só há um caminho a divulgação nas redes sociais e demais canais de comunicação das opções que estão em causa e suas consequências futuras. Este post é um excelente contributo que merece ter uma ampla divulgação.
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