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04 novembro 2014

Parceria Transatlântica (TTIP) e a Cláusula ISDS


As notícias que têm vindo a ser dadas na nossa imprensa, designadamente o jornal Público de 2 e 3 de Novembro, sobre o Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento são preocupantes, desde logo porque põem em evidência o secretismo que tem acompanhado o processo negocial e levantam sérias dúvidas acerca do realismo dos potenciais benefícios do TTIP, estimados pela Comissão Europeia, ao mesmo tempo que estarão a ser desvalorizados os seus efeitos nefastos em matérias tão sensíveis como a protecção ambiental, a segurança alimentar, os direitos laborais, a saúde, a liberdade e a privacidade, os serviços financeiros.

Em particular, a chamada cláusula ISDS ( Investor - State Dispute Settlement),  que se refere a um sistema de resolução de conflitos entre o investidor estrangeiro e o estado de acolhimento, se viesse a ser aprovada, instituiria  o direito das empresas multinacionais, da UE  e dos EUA, multarem os governos dos países onde investem por qualquer acção por estes decidida  e que tivesse por efeito reduzir a expectativa de  lucros futuros das empresas.

Na prática, os lucros futuros seriam assimilados a “propriedade” e a simples  probabilidade da sua redução daria direito a indemnização, tudo concorrendo, numa espécie de autocensura governamental, para enfraquecer o rigor da regulação, alinhando pelo menor denominador comum, mais próximo da realidade americana.

A amarga experiência de países não europeus prova que não estamos perante  uma ficção, mas antes o avanço de uma orientação política muito nítida e que tem vindo a ganhar espaço na economia mundial.

Desta forma, são inteiramente justas as denúncias de poder estar em causa  um verdadeiro atentado à democracia e uma inversão completa do que devem ser os valores defendidos pelos governos: se a cláusula ISDS viesse a ser aceite, ao livre comércio passaria a ser dada a supremacia sobre a defesa da saúde pública, direitos humanos, protecção ambiental, direitos laborais e outros direitos sociais.

Acresce ainda que, existindo um sistema judicial instituído, tanto na Europa como nos EUA, não se compreende uma protecção adicional aos investidores  (e apenas aos estrangeiros), que sai do âmbito dos tribunais nacionais para ser entregue a um painel de advogados de negócios, numa jurisdição à escolha da empresa.

Como é possível que a negociação de questões tão fundamentais como as suscitadas pela Parceria, não tenha que envolver os Parlamentos nacionais  e mesmo o Parlamento Europeu só possa aceitar ou rejeitar o produto final, negociado pela Comissão Europeia?

O comércio internacional e o investimento directo estrangeiro são importantes instrumentos  de progresso económico que devem ser incentivados, desde que  em condições que respeitem os direitos sociais, como é obrigação dos governos democráticos.

Para tal, estes podem entender adoptar medidas de estímulo (por exemplo, negociação de contratos estabelecendo direitos e obrigações para investimentos de particular relevância, alguma redução de barreiras aduaneiras ou burocracia sem sentido), o que é bem distinto de abdicarem  do dever de promoção do bem-comum, submetendo-se ao primado da propriedade privada e concedendo às empresas transnacionais poderes adicionais aos muitos (demasiados!) que já possuem.

1 comentário:

  1. Parabens à Autora por este judicioso comentário. Para fazer frente ao secretismo das negociações só há um caminho a divulgação nas redes sociais e demais canais de comunicação das opções que estão em causa e suas consequências futuras. Este post é um excelente contributo que merece ter uma ampla divulgação.

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