Páginas do Blogue

04 agosto 2014

“Chapeau”, Sr. Governador!

O fogo, desde há alguns meses, alastrava a grande velocidade destruindo florestas e habitações como, antes, nunca tinha sido visto. De repente, como que tirando o coelho da cartola, o Sr. Governador, usando um novo produto, criado recentemente, a nível da União Europeia, no âmbito da União Bancária, ainda antes não utilizado e designado por “mecanismo único de resolução bancária”, fez como que uma descarga do novo produto sobre o fogo que foi de efeito imediato, parecendo extinguir as chamas que até aí tudo devoravam. Estou, naturalmente, a referir-me ao fogo do BES.
Mas . . .
Mas sabe-se pouco acerca dos riscos de reacendimento e dos efeitos do produto lançado sobre a capacidade de regeneração da floresta. Vejamos!
Para o ataque ao fogo estavam disponíveis, no essencial, duas estratégias: a “recapitalização” através da utilização de fundos públicos e a “resolução bancária”, com a mobilização de fundos privados.
A primeira equivaleria a uma nacionalização do banco, uma vez que para garantir a boa utilização dos fundos públicos o Estado teria que assumir a gestão do banco ou nela se fazer representar. É conhecida a aversão que a deriva liberal tem em relação ao controlo dos poderes públicos sobre as atividades financeiras privadas. Daí que não espante que a opção escolhida tenha sido a da outra alternativa.
O mecanismo de resolução bancária, foi criado no início do ano em curso, na sequência de intensos debates e negociações, no Parlamento Europeu (onde teve um papel relevante o trabalho da deputada Elisa Ferreira), no Conselho Europeu, a nível interno de alguns países (em geral com a oposição das autoridades alemãs). Nunca antes tinha sido utilizado, nem em Portugal, nem em qualquer outro país e os seus mecanismos operacionais ainda se não encontravam perfeitamente oleados para poder ser mobilizados.
Este mecanismo foi criado como forma de arredar toda a intervenção pública sobre a atividade bancária, mesmo quando esteja em causa a insolvência da instituição e os riscos sistémicos por ela gerados. Mais uma vez, o tal horror!
Assim, como instrumento do mecanismo foi criado um fundo de financiamento (Fundo de Resolução), dotado através de contribuições do sistema bancário. O mecanismo de resolução, num fogo como o do BES, vai servir para recapitalizar a instituição insolvente (ou parte dela) e torna-la solvável. Como os meios do Fundo de Resolução são privados, os outros bancos, são eles que vão proceder à supervisão da recuperação do banco intervencionado, evitando que o Estado se envolva no assunto.
E foi este o coelho que o Sr. Governador tirou da cartola? Não exatamente! Com efeito, o referido Fundo, criado há pouco tempo, ainda não tinha dinheiro suficiente para poder proceder a uma recapitalização de 4 900 milhões de euros. Só lá estavam 400 milhões. Pode até perguntar-se se, ao ritmo a que são feitas as contribuições bancárias, alguma vez o Fundo virá a ter os montantes adequados a que se possam realizar, de forma eficaz, as intervenções que se revelem necessárias?
Consequência? Como Fundo não tinha o dinheiro suficiente mobilizou-se o dinheiro daquele que se queria ver arredado do negócio, o Estado. O dinheiro mobilizado foi no montante de 4 400 milhões de euros que o Estado detinha como fundo de capitalização bancária, no valor de 12 000 milhões de euros e que constituía uma parte do empréstimo da troica.
Por esses 12 000 milhões de euros e enquanto não forem amortizados o Estado paga juros. Naturalmente que o Fundo de Resolução deverá pagar ao Estado uma taxa de juro mais elevada do que a que é paga à troica. Já assim aconteceu com outros bancos anteriormente intervencionados. O problema maior não é esse, mas sim o das garantias do capital emprestado ao Fundo de Resolução. Ao que se sabe, não são nenhumas.
Pode argumentar-se que a verdadeira garantia será o sucesso do Novo Banco e o dinheiro obtido com a sua ulterior privatização. Pois . . . E se a coisa corre mal? E se o dinheiro da privatização não chegar para pagar ao Estado os 4 400 milhões que foram emprestados?
Entra o Zé a pagar os desmandos dos banqueiros, apesar das profissões de fé de que o dinheiro dos contribuintes estava a salvo.
Aqui chegados, vale a pena perguntar: porque é que a solução da resolução é melhor do que a da nacionalização? A resposta é simples: ideologia!
Pouco faltará para que se comece a gritar: privatize-se o Estado!

Sem comentários:

Enviar um comentário

Os comentários estão sujeitos a moderação.