A “limpeza”
tem sido um tema de grande preocupação na sociedade portuguesa e, sobretudo, no
âmbito dos seus estratos mais politizados. Recordem-se os episódios que conduzem
a declarações do tipo, “é preciso limpar isto desta gente” e outras do mesmo
teor que, mais ou menos, significam que o que, é preciso é cortar-lhes a cabeça.
Mais
recentemente, o tema da limpeza surgiu a propósito da saída do “programa de ajustamento
“e da possibilidade de a saída poder ou não ser limpa. O Governo, no passado
dia 4, veio anunciar, publicamente, o que já se balbuciava nos territórios
alcatifados como sendo a alternativa mais provável: a saída seria limpa.
Se a saída é
limpa então isso significa que algum lixo foi retirado, ou que foram cortadas
algumas cabeças. Antes de mais convém saber para onde é que se sai. A saída é
do “programa de ajustamento” para o mercado financeiro. A saída é limpa, porque
se faz sem apoios externos. O país passa a ir ao mercado por sua conta e risco.
É um pouco como quem está a aprender a andar de bicicleta; em determinada
altura o instrutor larga o aprendiz e ele segue sozinho. Se cair e esmurrar os
joelhos é por sua conta e risco.
Para que o
país saísse por sua conta e risco, foram necessários, por parte dos que possuíam
menores rendimentos, muitos sacrifícios. Esses sacrifícios são precisamente o
lixo que foi considerado necessário deitar fora. Prometem-nos, no entanto, que
o lixo vai continuar a acumular-se e que, por isso os sacrifícios vão
continuar. O novo DEO, que já não é santo, acaba de anunciar um aumento de impostos
(IVA e CES), que são apresentados como não sendo impostos, o que em alguma
medida até é verdade, uma vez que se vão destinar ao pagamento de despesas
específicas!
Mais graves
são, no entanto, as consequências da aplicação da nova CES, que é apresentada
como pretendendo aliviar os sacrifícios dos pensionistas. Uma observação mais
em detalhe permite verificar que os pensionistas com pensões, entre 1 100 e
1 800 € verão os seus descontos diminuídos em 40%; se tomarmos o extrato
que vai dos 3 750 aos 4 600 €, a percentagem de poupança que se
esperaria que fosse menor, pelo contrário, sobe para 65%. É obra, para quem
tanto anuncia que pretende não prejudicar os titulares de rendimentos mais
baixos!
Não posso
deixar de confrontar este comportamento com as declarações recentes do
presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, D. Manuel Clemente quando, de
forma simples, declarou que “os portugueses (alguns, digo eu) muito dificilmente podem pagar mais
impostos” e que se há que mobilizar mais recursos, então, que eles sejam
encontrados “onde existe possibilidade de os pagar”. Não foi, certamente, esta
a via que foi seguida pelo Governo, como o exemplo acima apresentado bem demonstra.
Regressemos
ao território da limpeza. E aqui, tendo como referência as opções tomadas, são
muitas as questões para as quais não é fácil encontrar resposta. A primeira tem
a ver com a necessidade do jogo do gato e do rato e sobre se a saída seria limpa,
ou não. Dizem-nos que os mercados financeiros são racionais mas, se assim é, os
elementos de imprevisibilidade deveriam dele estar ausentes, o que teria
permitido, com maior antecipação, poder dizer se a saída seria limpa ou não. O
prolongar do jogo do gato e do rato só pode ter como motivação preocupações de
natureza eleitoral. É que se supõe que apresentar-se limpinho face ao
eleitorado dá uma boa imagem e permite não perder tantos, ou ganhar mais,
votos. Recordo-me de antigos tempos em que se contava a história de umas
camponesas (salvo o devido respeito para com as camponesas) que querendo ir à
festa e não conseguindo eliminar todo o lixo acumulado, pegaram num frasco de água-de-colónia
barata, espalharam pelo corpo, e lá foram à festa cheirando bem!
Este jogo do
gato e do rato também tem as suas projeções externas. Ele aí até terá começado
mais cedo do que internamente. Os leitores ainda se lembram, certamente do que,
há já vários meses, veio a ser considerado como um deslize do Sr. Mário Draghi,
ao declarar que, a seu tempo, as instituições internacionais se pronunciariam
sobre se a saída deveria ser limpa ou com programa cautelar. Algum tempo depois
veio corrigir o que tinha dito, esclarecendo que, naturalmente, a opção era
toda do governo português. O enredo do jogo mostrou bem o que havia de verdade
e de falso nesta declaração.
Estas mesmas
instituições internacionais possuem hoje a necessidade de reafirmar a sua
credibilidade e consideram que ela só poderá sair reforçada com a apresentação
do caso português como um caso de total sucesso e, portanto, como uma saída
limpa, ainda que o ar de limpeza possa estar envolvido em água-de-colónia
barata.
E, no
entanto, vimos os responsáveis de vários países (Finlândia, Holanda, Alemanha, etc.)
virem, durante os preliminares, afirmar que a opção deveria ser a da saída
limpa, uma vez que não estariam dispostos a continuar a financiar o défice português.
Há, nesta postura, algo de incompreensível. Com efeito, se, segundo se afirma,
Portugal é, hoje, do ponto de vista financeiro, um país credível, se existe
abundante liquidez nos mercados financeiros, se as taxas de remuneração e as
condições do empréstimo cautelar assegurariam todas as garantias, não se
percebem quais possam ser as razões das reservas acima mencionadas, a menos que, afinal, os riscos estejam longe de ter desaparecido.
Uma nota
final para referir o espanto com que deve ser recebido o anúncio da existência
de uma almofada financeira que permitiria suprir as necessidades de
financiamento público durante 2015. São certamente vários mil milhões de euros
e a interrogação que fica é a de saber como é que foi possível encher essa almofada
sem nada ter revelado aos portugueses, apesar dos sacrifícios que nem o Governo
oculta?
E onde está a
almofada para 2016 e anos seguintes, com uma economia que continua inerte,
apesar das declarações pomposas que têm vindo a ser feitas?
A sujidade - que esta dita saída limpa esconde - continuará. Vale a pena ver um post do Ricardo Paes Mamede no ladroesdeebicicletas.blogspot.com onde - propósito do DEO - mostra como será o Estado Social a sofrer ataques destruidores face às impossíveis taxas de crescimento e à manutenção das condições de dívida, tudo isso agravado pelo malfadado tratado orçamental. Ora bem, como este último é europeu (e aprovado cá dentro...) e como ainda por cima a solidariedade europeia é inexistente ou a UE leva uma grande volta e acorda para o seu projecto e intenções originais, ou então ter-se-á que pensar como, com que aliados e sobretudo com que valores-guia nós e outros povos europeus podemos pôr o dinheiro a servir e não a ser o senhor que tudo manda.
ResponderEliminarCláudio Teixeira
O Cláudio identifica bem as razões do desnorte europeu e enuncia os princípios do que há fazer para que valha a pensar que a Europa tem futuro num projeto de solidariedade de sentidos múltiplos.
EliminarMais uma vez o Manuel Brandão Alves põe o dedo na ferida e desmonta os verdadeiros desígnios das Políticas ditas Públicas do actual Governo. Todos os efeitos descritos me parecem importantes, apenas insistiria em algo de que já se falou aqui - as almofadas. Segundo alguns cálculos, a deste ano estará já praticamente hipotecada a maiores encargos com as PPP, necessidade de reforçar os apoios à banca e ...pouco mais. Nada que venha ajudar a repor a justiça sobre os/as mais sacrificados/as.
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