Nas últimas
semanas, e em particular na última, falou-se amplamente de “reformas
estruturais” e de uma “estratégia de medio prazo” Falou-se muito mas, como
dizia um amigo meu, disse-se pouco. Vou procurar explicar porquê.
As reformas
estruturais que, periodicamente, têm vindo a aparecer à boca de cena, são as
que as autoridades portuguesas e os seus aliados da troica vêm designando como
indispensáveis para que a recuperação da economia portuguesa possa ter lugar:
privatizações, diminuição do peso do Estado Social, redução da intervenção do
Estado, diminuição dos salários, das pensões, etc. Quanto aos 1% dos portugueses
que detêm 10% dos rendimentos entendeu-se não deverem fazer parte da reforma.
Sobre a estratégia de
médio prazo é algo de que só se ouviu falar a propósito dos festejos preparados
por ocasião da "partida" da troica. Para a sua aprovação o Governo dedicou-lhe, até, no
passado dia 17, um Conselho de Ministros Extraordinário.
Vejamos o que
está em causa. Começo por precisar alguma terminologia que tem vindo a ser utilizada,
mas fora do contexto em que o deveria ser. Referi-mo aos conceitos de estrutura
e de estratégia.
Falamos de
estrutura a propósito da organização interna de um conjunto (sistema), que identifica
o peso relativo de cada uma das suas componentes e a forma como se relacionam
entre si. Pode-se alterar a estrutura desse conjunto, quer modificando o peso relativo
das componentes (incluindo a eliminação de uma ou várias), quer alterando os
circuitos de dependências e interdependências pré-existentes, ou ambas. Quando
tal acontece diz-se que se verifica uma reforma estrutural, ou uma
reestruturação do sistema.
O conceito de
estratégia tem um conteúdo mais ambíguo, porque tem sido utilizado em duas aceções
diferentes que, nem por isso, em cada uma delas, deixa de ser preciso. O
conceito de estratégia tem origem na “arte da guerra” e significa a forma como
se organizam e combinam os meios para atingir os objetivos (lembram-se do
quadrado de Aljubarrota?).
Mais
recentemente, o termo de estratégia passou a ser usado no âmbito da gestão de
empresas, para significar uma perspetiva de médio e longo prazo. É já depois dos
anos 80 que a ideologia que considera que o Estado pode ser governado do mesmo
modo que se gere uma empresa, importou para o domínio da coisa pública este
conceito de estratégia.
Só que, ao
fazê-lo, misturou de forma incompreensível a ideia de “visão” com a de “programa
de médio ou longo prazo” deixando, de ter visão, de ter programa de médio ou
longo prazo e de combinar de forma eficiente os meios para alcançar os
objetivos. Isto é, lançou-se uma bomba de estilhaços e o que resta, agora, é
muito pouco. Fala-se, fala-se, fala-se, mas o que lá está dentro é muito pouco
ou, então, não é pouco, mas está longe da desejada configuração original do
sistema.
Voltemos à
questão das reformas estruturais. Vale a pena chamar a atenção para a
circunstância de que aquilo a que o Governo tem vindo a chamar reformas estruturais
está longe do conceito de reforma estrutural acima enunciado. De facto, o que
está em causa não é a alteração dos pesos relativos das componentes do Estado, ou
do relacionamento entre elas. Aquilo a que temos vindo a assistir é à
destruição, pausada, lenta, mas determinada, do Estado, nas componentes e funções
que desde há muitas décadas lhe estão atribuídas. É assim, com as
privatizações, com a eliminação das funções do Estado no domínio da saúde, da
educação, da justiça, da regulação salarial, com a abdicação do objetivo de
manutenção, ou construção, do Estado eficiente, etc.
Não se trata
de reformas estruturais, mas de um programa de destruição do Estado atual para
o substituir por um outro Estado em que desaparecem as suas funções de inclusão
social e de regulação da repartição de rendimentos. Em lugar de um Estado
promotor de equidade, vemos configurar-se um Estado facilitador da recomposição
do capital patrimonial e da concentração de riqueza (ver, por ex. Piketty). É
para isto que nos conduzem as reformas estruturais do Governo!
E quanto à
estratégia de reforma de médio prazo? O Governo chamou-lhe: “Caminho para o
Crescimento”. Raramente se ouviu falar de tal coisa durante os 3 anos (formais)
do Programa de Ajustamento. Será que este intitulado significa que, finalmente,
o Governo compreendeu que nenhuma recuperação é sustentadamente possível sem
crescimento? Até aqui o que víamos firmemente afirmado era que a recuperação só
seria possível pela via do empobrecimento, mas ignorando que o empobrecimento é um
processo cumulativo e que chegará o dia em que os próprios credores já só
encontrarão pobreza para se alimentar.
Tenho muitas
dúvidas sobre a conversão do Governo e da troica à religião do crescimento, ao “Caminho
para o Crescimento” como uma estratégia de reforma a médio prazo. Se é uma
estratégia, poderíamos perguntar-nos se quem nos administra tem uma “visão”
para o futuro. É verdade que a estratégia tem um horizonte temporal, o de 2018
mas, vai-se a ver, e aquilo que se apresenta como um agregador de reformas,
umas já feitas, outras em curso e ainda outras a realizar nos próximos anos, só
pretende iluminar o caminho até 2015. A razão é simples, dizem os seus responsáveis:
este Governo não sabe se estará lá depois de 2015!
Fantástico!
Onde está a coerência de uma visão que se apresenta como iluminando até 2018?
Mesmo até 2015, como se articulam as suas medidas? Quais são os resultados
esperados?
Um plano de
médio prazo, uma estratégia para 4 anos! De fato não sabem do que falam. Talvez
não nos devêssemos surpreender de que tal aconteça, quando sabemos que nenhum
exercício sério de programação se fez neste país, desde os trabalhos que foram
realizados, em 1975, dando origem ao que ficou designado por Plano Melo Antunes (Programa de Acção Política Económica e Social de Transição) e, em 1977, de que resultou o,
também, chamado Plano Manuela Silva (Plano de Médio Prazo 1977-80). Desde então
entendeu-se, generalizadamente, que os Planos se eram precisos era nas
empresas, porque no Estado só serviriam como instrumento tolhedor de movimentos
e de iniciativas. Em consequência, as próprias estruturas técnicas que poderiam
ajudar a preparar os planos foram destruídas.
A verdade é que a própria Constituição da República obriga à existência
de um Plano de Médio Prazo. De tudo isso restaram, apenas as “Grande Opções do
Plano”, mas ficaram, apenas, no papel que acompanha o Orçamento, porque o conteúdo
compromissório que se lhe deveria seguir, sempre se tem esfumado.
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