Páginas do Blogue

30 março 2014

A deserção das universidades

Está de Parabéns Cristina Vieira pelo seu estudo sobre a acentuada diminuição de alunos/as do ensino superior - universidades e politécnicos - a que em Portugal se vem assistindo nos últimos anos (*).

Esta "fuga" do ensino superior, extremamente acentuada com os efeitos da crise, é tanto mais grave quanto: 

1. acontece ao inverso do que se verifica na quase totalidade dos países europeus, mesmo dos mais afectados pela crise; 

2. a taxa de perda do ensino superior em Portugal é das mais elevadas da OCDE: de entre cada 100 alunos/as matriculados/as, apenas cerca de 40 concluem o 1º ciclo (se licenciam) com sucesso.

No entanto, várias razões têm vindo a contribuir para este desfecho. Sem dúvida que as de maior peso se associam à quebra acentuada de rendimento disponível das famílias e estudantes, dados o desemprego e as medidas de austeridade: estas, também em matéria educativa se têm pautado pelo total desacerto e erro de concepção, funcionando pro-ciclicamente quando teria sido indispensável que, pelo contrário, amortecessem os efeitos da depressão. Depois de uns anos de recuperação significativa em termos de abandono e desistência escolar, de aquisição de competências base (v.g. em sede de PISA), de aumento das taxas de graduação e de pós-graduação, de diminuição da percentagem da população com baixas qualificações..., está já a retroceder-se em toda a linha nestes, e noutros, indicadores.

Também a - sempre invocada... - Reforma de Bolonha já tinha vindo a fazer sentir os seus efeitos contraproducentes neste domínio: ao reduzir-se o número de anos dos 1ºs. ciclos (anteriores licenciaturas), o mercado de trabalho desvalorizou ainda mais os correspondentes diplomas, levando os/as estudantes do superior a procurarem ingressar mais em mestrados e outras pós-graduações para assim tentar compensar aquela desvalorização. Ora, se em Portugal as propinas dos 1ºs ciclos já são bastante elevadas - em paridade dos poderes de compra - quando comparadas com muitos dos outros EEMM, o que se dirá das propinas e outros encargos com os 2ºs e 3ºs ciclos. Tanto mais que, perante a asfixia crescente que os Orçamentos de Estado têm vindo a impor às instituições de ensino superior, a estas não tem restado alternativa que não seja aumentar as suas receitas próprias... Embora muitas destas instituições tenham vindo progressivamente a substituir-se ao Estado - na limitada medida em que o podem fazer - em medidas de apoio estudantil como o de atribuição crescente de bolsas, o certo é que o encarecimento dos estudos superiores, agravado pelo contexto de crise, tem levado também muitos/as destes/as estudantes mais velhos à "deserção".

Mas convirá que se apontem ainda outras razões, em boa parte associadas aos modelos de gestão e organização dos calendários e horários escolares. Quando inquiridos/as sobre os principais motivos de abandono e desistência do ensino superior, designadamente em inquéritos realizados por observatórios daquelas instituições de ensino, os/as estudantes revelam cada vez mais a dificuldade de compatibilização de horários de trabalho com os tempos e horários lectivos. Num momento em que tanto se fala, pratica e abusa da flexibilidade, a compatibilização de horários lectivos e profissionais constitui, com efeito, de um domínio em que parece grassar a indiferença, tanto do ponto de vista das entidades patronais como das instituições de ensino superior, as quais regrediram neste domínio vários anos ou décadas.

Margarida Chagas Lopes


(*) www.publico.pt, 30 de Março de 2014.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Os comentários estão sujeitos a moderação.