A publicação hoje pelo INE dos dados mais recentes do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento (EU-SILC) permite esclarecer claramente as consequências sociais
das políticas de austeridade. Os dados referem-se fundamentalmente ao ano de 2012, o primeiro ano
em que as medidas de austeridade assumiram a “velocidade de cruzeiro”, e são
profundamente reveladores dos impactos de tais medidas nas condições de vida
das famílias, nos níveis de pobreza e de precariedade social, nos indicadores
de privação material e na desigualdade.
Um primeiro indicador a destacar é a diminuição dos rendimentos das
famílias. De acordo com o INE o rendimento mediano por adulto equivalente
desceu em 2012 cerca de 1.8%. Apesar do INE não explicitar a descida do
rendimento médio das famílias, dada a tradicional estabilidade do rendimento
mediano, é de prever que a descida do rendimento médio tenha sido bastante mais
pronunciada. Uma consequência imediata desta descida do rendimento mediano é a
quebra no valor “oficial” da linha de pobreza. Se considerarmos um qualquer
individuo da nossa sociedade o seu limiar de pobreza reduziu-se ao longo destes
anos de crise de 434 euros por mês em 2009 para 409 euros/mês em 2012. Se, alternativamente,
considerarmos um casal com dois filhos menores o seu limiar de pobreza desceu
de 911 euros mensais em 2009 para 859 euros em 2012.
Uma consequência desta queda da linha de pobreza é a de que muitos
indivíduos e famílias que anteriormente eram considerados pobres “abandonaram”
a situação de pobreza artificialmente porque a linha de pobreza baixou apesar
de os seus recursos não terem aumentado ou mesmo diminuído.
Apesar desta descida do limiar de pobreza a taxa de pobreza oficial atingiu
em 2012 o valor de 18.7%. Este valor reconduz-nos aos níveis de pobreza
registados no início do século. De facto, é necessário recuar a 2004 para
encontrar um nível de pobreza superior ao verificado em 2012.
Uma forma alternativa de medir o nível de pobreza é a utilização das
designadas linhas de pobreza ancoradas num determinado ano. A sua metodologia
de cálculo é relativamente simples. Considera-se a linha de pobreza num
determinado ano e nos anos subsequentes actualiza-se o seu valor de acordo com
a taxa de inflação. É uma forma de neutralizar o efeito do ciclo económico
sobre os indicadores de pobreza, assumindo a linha de pobreza no ano inicial
quase como uma linha de pobreza absoluta. Num contexto de recessão económica
este é um processo adequado para neutralizar os efeitos da forte contracção dos
rendimentos sobre o limiar da pobreza constituindo um indicador mais adequado
para medir os níveis de vulnerabilidade económica da população.
O INE utiliza como ano inicial o ano de 2009, isto é, o ultimo ano anterior
à actual crise. Tomando como referencial a linha de pobreza estimada em 2009 a
incidência da pobreza subiu nos últimos anos cerca de 38%, passando de 17.9% em
2009 para 24.7% em 2012. Este é indiscutivelmente um agravamento da pobreza
mais consentâneo com o processo de empobrecimento ocorrido na sociedade
portuguesa e com a percepção que no dia a dia vamos recolhendo do aumento das
situações de forte precariedade social existente.
A pobreza das
crianças e nos jovens: um factor de preocupação acrescido
O processo de diminuição da pobreza monetária em Portugal, ocorrido entre o
início dos anos 90 do século passado e 2009, traduziu-se não somente na redução
dos níveis globais de incidência da pobreza mas igualmente num atenuar da
pobreza extrema dos grupos mais vulneráveis. A redução da pobreza dos idosos é
disso um claro exemplo. No entanto, a pobreza das crianças e dos jovens
permaneceu alheia a este movimento evidenciando valores significativamente
superiores ao do conjunto da população.
As políticas de austeridade em curso no nosso país acentuaram igualmente a
pobreza das crianças e dos jovens que, em 2012, atingiu os 24.4% isto é, 5.7
pontos percentuais à do conjunto da população. As alterações verificadas nas
políticas sociais, fortemente penalizadoras das famílias alargadas com crianças
como no caso do RSI, não são certamente alheias a este agravamento.
Qualquer política que vise repor o combate à pobreza e à exclusão social
como uma prioridade do conjunto da sociedade não poderá deixar de considerar o
combate à pobreza das crianças e dos jovens como uma prioridade. No entanto, a
história ensina-nos que reverter os agravamentos da pobreza e da precariedade
social é sempre um processo mais difícil do que aqueles que estiveram na origem
do seu agravamento.
A dificuldade de leitura dos indicadores de pobreza monetária no actual
contexto pode conduzir-nos à identificação de outros indicadores para analisar
as condições de vida da população e a sua evolução recente. Os indicadores de
privação material estimados pelo INE cumprem esse objectivo para além de
introduzirem uma vertente multidimensional no estudo das condições de vida das
famílias e dos indivíduos.
Também neste âmbito os dados hoje publicados pelo INE são elucidativos. A
taxa de privação material alcançou em 2013 o valor de 25.5% e a proporção de
famílias em situação de privação material severa foi de 10.9%. Estes valores
constituem não somente um pesado agravamento face aos valores do ano anterior mas
constituem os valores mais elevados desde o início da série pelo INE em 2004.
Apesar de reportarem a anos diferentes (o inquérito às condições de vida e
de rendimento de 2013 recolhe informação sobre os indicadores monetários de
2012 e sobre as condições materiais das famílias em 2013) a leitura cruzada dos
indicadores de pobreza monetária e de privação material convergem para uma
avaliação consistente de como mudou o país e as condições de vida da população:
praticamente todos os indicadores apontam consistentemente para um aumento da
pobreza e da exclusão social, quer essa análise tenha como base os seus
recursos monetários ou a sua capacidade de aceder aos bens materiais e de
enfrentar de forma satisfatória com os desafios quotidianos.
Os dados apresentados hoje pelo INE são também a demonstração clara da
incapacidade das actuais políticas confrontarem os problemas do país sem que tal
corresponda a um efectivo empobrecimentos da população, que onera
pesadamente o presente e compromete o futuro.
Muito claro e esclarecedor. Infelizmente.
ResponderEliminarObrigada por explicares tão claro.