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24 março 2014

Preto no Branco… As consequências da Austeridade

A publicação hoje pelo INE dos dados mais recentes do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento (EU-SILC) permite esclarecer claramente as consequências sociais das políticas de austeridade. Os dados referem-se fundamentalmente ao ano de 2012, o primeiro ano em que as medidas de austeridade assumiram a “velocidade de cruzeiro”, e são profundamente reveladores dos impactos de tais medidas nas condições de vida das famílias, nos níveis de pobreza e de precariedade social, nos indicadores de privação material e na desigualdade.

Um primeiro indicador a destacar é a diminuição dos rendimentos das famílias. De acordo com o INE o rendimento mediano por adulto equivalente desceu em 2012 cerca de 1.8%. Apesar do INE não explicitar a descida do rendimento médio das famílias, dada a tradicional estabilidade do rendimento mediano, é de prever que a descida do rendimento médio tenha sido bastante mais pronunciada. Uma consequência imediata desta descida do rendimento mediano é a quebra no valor “oficial” da linha de pobreza. Se considerarmos um qualquer individuo da nossa sociedade o seu limiar de pobreza reduziu-se ao longo destes anos de crise de 434 euros por mês em 2009 para 409 euros/mês em 2012. Se, alternativamente, considerarmos um casal com dois filhos menores o seu limiar de pobreza desceu de 911 euros mensais em 2009 para 859 euros em 2012.
Uma consequência desta queda da linha de pobreza é a de que muitos indivíduos e famílias que anteriormente eram considerados pobres “abandonaram” a situação de pobreza artificialmente porque a linha de pobreza baixou apesar de os seus recursos não terem aumentado ou mesmo diminuído.
Apesar desta descida do limiar de pobreza a taxa de pobreza oficial atingiu em 2012 o valor de 18.7%. Este valor reconduz-nos aos níveis de pobreza registados no início do século. De facto, é necessário recuar a 2004 para encontrar um nível de pobreza superior ao verificado em 2012.
Uma forma alternativa de medir o nível de pobreza é a utilização das designadas linhas de pobreza ancoradas num determinado ano. A sua metodologia de cálculo é relativamente simples. Considera-se a linha de pobreza num determinado ano e nos anos subsequentes actualiza-se o seu valor de acordo com a taxa de inflação. É uma forma de neutralizar o efeito do ciclo económico sobre os indicadores de pobreza, assumindo a linha de pobreza no ano inicial quase como uma linha de pobreza absoluta. Num contexto de recessão económica este é um processo adequado para neutralizar os efeitos da forte contracção dos rendimentos sobre o limiar da pobreza constituindo um indicador mais adequado para medir os níveis de vulnerabilidade económica da população.  

O INE utiliza como ano inicial o ano de 2009, isto é, o ultimo ano anterior à actual crise. Tomando como referencial a linha de pobreza estimada em 2009 a incidência da pobreza subiu nos últimos anos cerca de 38%, passando de 17.9% em 2009 para 24.7% em 2012. Este é indiscutivelmente um agravamento da pobreza mais consentâneo com o processo de empobrecimento ocorrido na sociedade portuguesa e com a percepção que no dia a dia vamos recolhendo do aumento das situações de forte precariedade social existente.
A pobreza das crianças e nos jovens: um factor de preocupação acrescido
O processo de diminuição da pobreza monetária em Portugal, ocorrido entre o início dos anos 90 do século passado e 2009, traduziu-se não somente na redução dos níveis globais de incidência da pobreza mas igualmente num atenuar da pobreza extrema dos grupos mais vulneráveis. A redução da pobreza dos idosos é disso um claro exemplo. No entanto, a pobreza das crianças e dos jovens permaneceu alheia a este movimento evidenciando valores significativamente superiores ao do conjunto da população.
As políticas de austeridade em curso no nosso país acentuaram igualmente a pobreza das crianças e dos jovens que, em 2012, atingiu os 24.4% isto é, 5.7 pontos percentuais à do conjunto da população. As alterações verificadas nas políticas sociais, fortemente penalizadoras das famílias alargadas com crianças como no caso do RSI, não são certamente alheias a este agravamento.

Qualquer política que vise repor o combate à pobreza e à exclusão social como uma prioridade do conjunto da sociedade não poderá deixar de considerar o combate à pobreza das crianças e dos jovens como uma prioridade. No entanto, a história ensina-nos que reverter os agravamentos da pobreza e da precariedade social é sempre um processo mais difícil do que aqueles que estiveram na origem do seu agravamento.

 Para além da pobreza monetária: o agravamento dos indicadores de privação material
A dificuldade de leitura dos indicadores de pobreza monetária no actual contexto pode conduzir-nos à identificação de outros indicadores para analisar as condições de vida da população e a sua evolução recente. Os indicadores de privação material estimados pelo INE cumprem esse objectivo para além de introduzirem uma vertente multidimensional no estudo das condições de vida das famílias e dos indivíduos.

Também neste âmbito os dados hoje publicados pelo INE são elucidativos. A taxa de privação material alcançou em 2013 o valor de 25.5% e a proporção de famílias em situação de privação material severa foi de 10.9%. Estes valores constituem não somente um pesado agravamento face aos valores do ano anterior mas constituem os valores mais elevados desde o início da série pelo INE em 2004.

Apesar de reportarem a anos diferentes (o inquérito às condições de vida e de rendimento de 2013 recolhe informação sobre os indicadores monetários de 2012 e sobre as condições materiais das famílias em 2013) a leitura cruzada dos indicadores de pobreza monetária e de privação material convergem para uma avaliação consistente de como mudou o país e as condições de vida da população: praticamente todos os indicadores apontam consistentemente para um aumento da pobreza e da exclusão social, quer essa análise tenha como base os seus recursos monetários ou a sua capacidade de aceder aos bens materiais e de enfrentar de forma satisfatória com os desafios quotidianos.  

Os dados apresentados hoje pelo INE são também a demonstração clara da incapacidade das actuais políticas confrontarem os problemas do país sem que tal corresponda a um efectivo empobrecimentos da população, que onera pesadamente o presente e compromete o futuro.

                                                           Carlos Farinha Rodrigues

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