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01 abril 2014

O combate à desigualdade extrema

A persistência e, pior ainda, o agravamento das desigualdades na repartição de rendimentos é um fenómeno preocupante que tem vindo a alastrar na grande maioria dos países, incluindo não só aqueles tradicionalmente muito desiguais (onde Portugal se inclui), como também alguns outros, apontados como modelo de igualdade, designadamente os países nórdicos da Europa.

Com efeito, no passado mais recente, o impacto das políticas de austeridade, como se previa e veio a constatar, agravaram aquelas desigualdades, as quais, como é bem conhecido, têm impacto muito negativo, na ordem económica, social e política .

Importa acentuar que o agravar das desigualdades não acontece por uma qualquer fatalidade mas antes é o resultado de opções políticas tomadas em benefício dos detentores de maior poder económico. Infelizmente, contra toda a evidência científica, persistem preconceitos acerca das causas da pobreza e uma errada ideia de que as desigualdades ajudam ao desenvolvimento .

No ano de 2000, sob os auspícios da ONU, 189 países assinaram a Declaração do Milénio, a que se seguiu um acordo sobre oito Objectivos de Desenvolvimento (ODM), a serem alcançados em 2015. O primeiro desses ODM visava a redução a metade do número de pessoas a viver com menos de 1dólar por dia, depois actualizada a meta para 1,25 dólares. Os outros 7 objectivos, visavam problemas igualmente preocupantes, desde o acesso à educação, à saúde, à igualdade de género, à defesa da sustentabilidade ambiental, e o último era o compromisso para um partenariado global visando o desenvolvimento.

A seu tempo teremos um balanço do que foi o grau de cumprimento daqueles objectivos. Mas começam a aparecer avisos de que deveria haver uma iniciativa que cuidasse do que poderá ser o “post-ODM”, já que, não tendo sido plenamente resolvidos os problemas velhos, existe a certeza de que outros, igualmente sérios, surgiram entretanto. Seria, pois, desejável que, sem perder tempo, os responsáveis governamentais se reunissem para um ponto de situação e acordassem numa estratégia determinada a resolvê-los.

Organizações internacionais e investigadores das ciências sociais têm vindo a demonstrar como é urgente criar as condições para um desenvolvimento sustentável do ponto de vista económico, social e ambiental, sem o que as crises se irão repetindo com crescente gravidade.

O papel da ONU na promoção de um novo debate entre os Estados signatários da Declaração do Milénio poderá contribuir para uma maior consciência da responsabilidade que cabe a cada um deles no inconseguimento de alcançar as metas antes acordadas.

Num artigo publicado no passado dia 20 de Março em EIA Ethics & International Affairs, por Michael W. Doyle (especialista em Teoria das Relações Internacionais, Segurança Internacional e Organizações Internacionais) e por Joseph Stiglitz, com o título “Eliminating Extreme Ineguality: A Sustainable Development Goal, 2015-2030”, os autores apontam uma falha aos ODM de 2010, ao afirmarem que, ainda que todos aqueles objectvos tivessem sido atingidos, mesmo assim, no seu conjunto, eles não representariam uma visão completa e abrangente do Desenvolvimento Humano, não só porque limitados ao acordo dos estados membros em 2000, mas porque lhes faltou uma visão do desenvolvimento equitativo.
Propõem então que seja incluído nos novos ODM um nono objectivo que seria o da Eliminação da Extrema Desigualdade.

Concretizando a ideia, os seus autores focam tanto a desigualdade de rendimentos como a da riqueza , sendo as seguintes as duas metas a alcançar em cada um dos países :

- Até 2030 reduzir aquelas desigualdades de tal forma que o rendimento depois de impostos dos 10% do topo não ultrapasse o rendimento depois de transferências dos 40% mais pobres;

- Até 2020, estabelecer uma entidade pública, que, em cada país, avalie e relate os efeitos das desigualdades nacionais.

A escolha de um indicador construído com base nas situações extremas de desigualdade é justificada não só por serem aquelas as que maior visibilidade apresentam em muitos países, em todo o mundo, como pelo seu efeito maligno sobre o crescimento económico sustentável e destruidor da estabilidade social e política. Nos países, por exemplo os da Escandinávia, em que o ratio se aproxima do valor 1 parece haver um efeito positivo do “multiplicador de igualdade” que se manifesta em vários aspectos das sociedades, tornando-as mais eficientes e flexíveis, mais equitativas e estáveis.

Quanto à segunda meta, a justificação apresentada é a de que os países diferem não só pela medida da sua desigualdade como também pela sua cultura, pela tolerância às desigualdades de diferentes tipos e pela capacidade de mudança social.

Em suma, o que aqui nos é proposto vai muito para além de um exercício de cálculo e convida a uma regular e saudável auto-crítica das políticas que têm vindo a ser postas em prática e das razões profundas que levam a uma estranha complacência perante a extrema desigualdade.

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