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07 outubro 2013

Um indispensável passeio pelos mercados

Sobre as virtualidades e as insuficiências dos mercados já aqui tenho escrito em outras ocasiões, mas a insistência em que se continua a pisar este terreno pantanoso justifica que volte ao assunto.
 
A ida aos mercados é uma decisão inevitável a quem quer comprar e vender bens e serviços, até de ordem política. Os mercados organizam-se de modo a que aí possam ser transacionados vários tipos de bens e serviços. Em tempo de eleições, os mercados servem, inclusivamente, para transmitir mensagens de índole política. Acabamos de viver uma época eleitoral e não foram poucos os políticos que “regressaram aos mercados” à procura de apoio.
 
A eficiência dos mercados para transacionar bens e serviços é reconhecida desde os tempos em que nem sequer existia o dinheiro e, por isso, as transações se faziam de mercadoria ou serviço, contra mercadoria ou serviço.
 
Quem não vai aos mercados é porque não tem nada para comprar, ou para vender, e se coloca, por isso, em situação de marginalização numa sociedade organizada que procura, pela concorrência nos mercados,  aumentar o nível de eficiência coletivo do seu funcionamento.
 
Se tudo isto fosse exatamente assim mais não nos restaria do que dizer: “vamos todos a correr para todos os mercados”.
 
Desde que a troika cá entrou não temos ouvido falar de outra coisa que não seja a necessidade de “regresso aos mercados”. O regresso aos mercados assume o lugar do bezerro de ouro que justifica que tudo lhe seja sacrificado. As portuguesas e os portugueses sabem-no bem. Dizem-lhes que para que o bezerro não se transforme em bicho feroz, que tudo devorará, sem olhar a quem e ao como, se devem submeter às mais torpes manobras de extorsão.
 
Quando nos referimos à ida aos mercados importa saber qual é o programa da viagem, ou seja, quais são e ao que vamos. Disse, acima, que um mercado é o local onde se transacionam bens e serviços. De que bens e serviços se trata?
 
São os bens e serviços para consumo final e são os bens e serviços para consumo intermédio, isto é, bens e serviços que depois de transacionados vão ser transformados pelas empresas ou outras instituições. Há, assim, uma infinidade de mercados. Nas últimas décadas temos, no entanto, vindo a ouvir falar, cada vez com maior insistência, de um mercado de que, antes, não se falava, ou falava pouco: o mercado financeiro.
 
O mercado financeiro é o mercado em que se transaciona dinheiro (moeda). Foram criadas condições para que a moeda fosse tornada equivalente a uma mercadoria. Ora, antes, a moeda não era uma mercadoria; era apenas um intermediário das transações, uma unidade de conta (referência para poder contar) ou uma reserva de valor (aforro). Quer dizer, com o dinheiro passou-se a poder ganhar dinheiro!
 
Ora, os mercados só podem (embora haja outras condições a verificar) trazer eficiência ao funcionamento da economia, se agirem de forma interdependente. Não tem sentido prosseguir os objetivos do funcionamento eficiente do mercado financeiro se não existir igual preocupação com o funcionamento dos outros mercados, o da mão-de-obra, por ex. A haver equilíbrio num mercado ele só é um valor acrescentado para a economia se, simultaneamente, se verificar equilíbrio nos outros mercados (equilíbrio geral).  Caso não funcionem, não tem sentido estar a falar de equilíbrio. 
 
De que é que temos ouvido falar quando, a propósito da dívida pública, o Governo, a troika, o Sr. Presidente da Comissão Europeia, a Sr.ª Merkel e tantos outros, apelam ao regresso aos mercados? Não é do regresso aos mercados que eles falam, mas do regresso ao mercado financeiro (de capitais).
 
Mas haverá mesmo regresso aos mercados financeiros? Não há; quando muito, caso a operação pudesse ser bem-sucedida, haveria regresso ao mercado financeiro (no singular). A distinção é justificada porque, de fato, em relação aos capitais financeiros e em razão da sua globalização não existem vários, mas um único mercado. O uso da forma plural apenas serve para mascarar a verdadeira raiz da questão.
 
Só que existindo uma preocupação com o funcionamento de, apenas, um dos mercados, o de capitais, então isso tem como consequência que todos os outros mercados lhe vão ficar subordinados, isto é, só funcionam e funcionam na medida em que isso servir os interesses dos mercados de capitais. Por isso, o regresso de que tanto se fala só acontecerá quando todos os outros mercados, estando-lhes subordinados, deixarem de cumprir o seu papel de espaço igualizador dos valores das transações.
 
Regressar aos mercados, neste quadro, só será possível quando estiverem destruídas todos os elementos que estruturam e identificam o ser português. O mercado financeiro só se encontrará saciado quando os custos do saque de recursos forem superiores aos benefícios deles retirados.
 
Assim, só é possível uma postura: a denúncia do saque e um rotundo virar de costas aos mercados, isto é, ao mercado financeiro. Os seus agentes, os de dentro e os de fora, não mostram qualquer saciedade ou falta de imaginação para criarem novas formas de continuação da extorsão. Fazer-lhes frente é o único caminho que lhes poderá provocar a diminuição da sua saciedade.
 
O regresso aos mercados surge como indispensável, desde que o objetivo signifique regresso a todos os mercados, o dos recursos, o dos bens e serviços finais e o financeiro. Não pode, por isso, haver regresso ao mercado financeiro se, simultaneamente não se verificar, entre outros, o regresso ao mercado da mão-de-obra.

3 comentários:

  1. Um texto clarificador de conceitos que tanto confundem a opinião pública. Uma reflexão que merece ser amplamente divulgada para contrariar a ideia mítica e enganadora da centralidade do objectivo de regresso aos mercados, significando regresso ao mercado financeiro, agora apresentada pelo Governo como desígnio de toda a sociedade...
    Afinal do que precisamos é romper com estas armadilhas ideológicas que no afastam da prossecução do objectivo de criar uma economia ao serviço das pessoas e em que estas sejam sujeitos do seu desenvolvimento e bem-estar colectivo.
    Parabéns ao Autor!

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    1. Agradeço as palmadinhas.
      Quando era pequeno, também eu, acompanhado dos meus pais, ia aos mercados. Aí encontrávamos sempre o vendedor de banha da cobra e não eram poucos os que a compravam, acreditando nos mil e um benefícios que ela trazia.
      Aprendi que para nada servia a não ser par engordurar e estragar a roupa. A ida ao mercado, no entanto, salvava-se pelos outras transações sérias que aí era possível realizar.
      Infelizmente, no caso do "regresso aos mercados" os mercados são fraquinhos. Não é possível transacionar mais nada que não seja a banha da cobra das transações financeiras que não apenas estragam a roupa, mas começam, também, a corroer o corpo.

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  2. Muito bem, Manuel Brandão Alves. Fazia muita falta um texto desta envergadura e, sobretudo, de tanta clareza.

    Abraço,

    Margarida

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