Como se sabe,
realizaram-se no passado domingo, em Portugal, eleições autárquicas, com os
resultados que já são conhecidos. Tomo-as como pretexto para aqui trazer uma reflexão
sobre a relação entre o voto e o poder dos eleitos.
Olhando para
o título poderá haver quem se diga: mas isto já não será mania da perseguição a
mais? o que é que a Sr.ª Merkel tem a ver com o assunto? Tem a ver muito e muito
mais do que o que à partida se poderia pensar.
É pacífico reconhecer
que os resultados destas eleições foram influenciados por múltiplos fatores de
que destaco, a personalidade dos candidatos, a obra já realizada em cada autarquia
em particular, quer pelos candidatos, quer pelos autarcas que os precederam e
de quem eles se apresentam como continuadores, os partidos políticos a que
pertencem, ou não, os impactos da crise na autarquia, a postura que os partidos
dos candidatos adotam, face a ela, etc.
Naturalmente que
o peso destes fatores não é o mesmo em todas as autarquias, tanto por razões
objetivas, como por considerações de natureza subjetiva, pelo que as
interpretações acerca do sucesso ou do insucesso dos candidatos podem ser as
mais diversas. Por ex., devem retirar-se ilações nacionais das eleições, ou não?
A resposta depende de saber o que é que se considera mais relevante para os resultados
obtidos: a personalidade dos candidatos, ou a sua vinculação a um partido ou movimento.
Para além
destas condicionantes, há uma outra que ninguém negará e que é a circunstância
de a política da Sr.ª Merkel para os países do ajustamento ter consequências
pesadas sobre o evoluir da crise nesses países e, portanto, sobre o
comportamento que os eleitores tomam face ao voto. A Sr.ª Merkel tem, por isso, muito a ver com isto tudo.
Essencialmente
não foi, no entanto, por causa destes impactos que iniciei a redação deste post. A questão que mais me interessa
aqui discutir é a das consequências da tomada de decisões, em determinados
níveis de decisão, sobre as decisões de outros níveis, e as ilações que daí decorrem
para a organização política dos poderes de decisão.
Vejamos um
exemplo. Consideremos a questão de saber em que circunscrição territorial é que
cada um deve votar. Devo votar em Lisboa ou no Porto? Na freguesia de S. Pedro
ou na de Santa Engrácia? Para optar necessito de ter um critério de decisão. Talvez
deva ser considerado o critério que nos diz que devo votar na circunscrição em que
são tomadas decisões que têm consequências mais importantes na minha vivência.
Assim, se eu
vivo em Lisboa, não tem sentido eu votar naqueles que vão gerir os destinos da
cidade do Porto; devo votar, antes, nos que são candidatos à gestão da cidade
de Lisboa (não esquecemos as anomalias que envolvem não poucas figuras públicas
que vivem numa cidade e estão inscritos para votar noutra). O mesmo é válido para
a eleição dos candidatos nas Juntas de Freguesia. Dito de outra maneira, eu
devo ter possibilidade de eleger aqueles que vão decidir sobre a minha vida,
presente ou futura.
E a Sr.ª
Merkel? Uma semana antes das eleições autárquicas em Portugal, realizaram-se na
Alemanha eleições que, para além de outras consequências, conduziram, à renovação
do mandato da Sr.ª Merkel, como chanceler. Antes das eleições dizia-se que a
Sr.ª Merkel não alteraria a sua posição face aos países do ajustamento, enquanto
elas não acontecessem. Eleições feitas, a chanceler confirma que continuará o
rumo traçado anteriormente.
Isto quer
dizer que as decisões da Sr.ª Merkel têm impactos, e importantes, sobre a vida
dos Portugueses. Se este critério da influência é um critério formatador dos
processos eleitorais, então isso significa que os portugueses, residentes em
Portugal, deveriam votar nas eleições alemãs.
No entanto, algo
parece estar a falhar neste raciocínio, embora não pareça razoável que a Sr.ª
Merkel mande em nós e nós não tenhamos qualquer possibilidade de intervir na
aquisição dessa sua capacidade de mando, também parece estranho que nós tomemos opções que também têm a ver com a organização política dos land.
O
que não está bem é o fato de a Sr.ª Merkel poder tomar decisões que afetam de
forma fundamental não, apenas a vida do seu povo mas, também, a vida de outros
povos. A pergunta que inevitavelmente surge é a de saber quem é que, então,
deve tomar as decisões que afetam a vida e o futuro de vários países e povos.
Segundo o
critério do impacto essas decisões só devem poder ser tomadas por uma entidade
supranacional, por ex., as instâncias europeias (fosse outra a Europa de onde
pudéssemos obter acolhimento que se impõe).
Do que atrás
fica dito decorre que a legitimidade de uma entidade para tomar certas decisões
existe quando a área de influência das decisões a tomar não extravasa o seu
âmbito territorial. Se extravasa, então, a entidade que deve tomar a decisão
deve ser uma entidade (autarquia de nível superior). Inversamente, se a área de
influência é tão pequena que cabe bem dentro do território de uma autarquia de nível
inferior, então deve ser esta autarquia, de nível inferior, a tomar essa decisão.
Este critério
justifica, por ex., a legitimidade da existência de regiões (autarquias regionais).
A região deve tomar decisões cuja área de influência já não cabe dentro do
território de cada uma das autarquias locais, mas ainda não é suficientemente
ampla para cobrir todo o território nacional. E, assim, do mesmo modo, para a
organização das autarquias nacionais ou supranacionais.
Alguém duvida
que existem decisões com área de influência superior à das autarquias locais e inferior
ao território nacional?
Assim fica colocada
a questão da existência de Regiões que, no entanto, já não aprofundarei neste escrito.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Os comentários estão sujeitos a moderação.