A insistência com que os nossos governantes
têm argumentado com os malefícios da dívida pública, procurando assim
justificar uma brutal austeridade, tem feito passar para segundo plano a outra
dívida, a dívida privada, a das empresas e das famílias.
Contudo, um estudo[1] recente do Fundo Monetário
Internacional (FMI) vem alertar para que uma elevada dívida privada é mais
prejudicial ao crescimento do que uma elevada dívida soberana. E conclui afirmando
que o impacto negativo de uma dívida soberana excessiva só se faz sentir,
reduzindo o crescimento, quando as famílias e as empresas também estão muito
endividadas.
É bem sabido como as políticas de austeridade
têm afectado a saúde da economia: empresas com dívidas elevadas, perante a
contracção da procura que aquelas politicas reforçam, entram em acrescidas
dificuldades para pagar os empréstimos bancários e não pensam em investimento
de expansão nem se modernizam.
É claro que estes mecanismos de propagação
são de há muito conhecidos, mas a verdade é que as politicas de austeridade na
zona euro, têm dado a primazia à redução, a todo o custo, das dívidas
soberanas, como se elas fossem a raiz de todos os problemas e como se, uma vez
atingidas as metas arbitrariamente impostas, ficasse aberto o caminho para a
prosperidade.
Em Portugal, está em foco permanente a
dimensão da dívida pública, enquanto o mesmo não se passa quanto à dívida
privada.
Se, para além disto, tivermos em conta que a
maior parte da dívida privada portuguesa respeita, não às famílias, mas às empresas
não financeiras, e que este endividamento tem vindo a aumentar desde o início
da crise, torna-se clara a dimensão das dificuldades que as nossas PME estão a atravessar,
quando, para muitas, os seus lucros antes de impostos são absorvidos pelo
pagamento de juros, tornando-as em empresas em situação precária.
Metade da dívida das empresas não financeiras
seria detida, em Portugal, por estas empresas em situação precária!
A sobrevivência de um tecido empresarial, de
que depende o futuro da nossa economia e a criação de emprego digno, torna assim
inadiável a adopção de políticas de apoio especialmente dirigidas às PME, ao
mesmo tempo que se deve por um travão ao caminho destruidor da austeridade.
Sobram as interrogações:
Até que ponto pode esperar-se alguma inflexão
nas políticas de austeridade, ditadas, como têm sido, pelos interesses
imediatos dos credores e pela vontade de um núcleo de países da União Europeia?
Quantas vezes mais será necessário ouvir
reputados economistas comprovarem que nenhuma economia retomou a via da
prosperidade com medidas de austeridade?
Que perspectivas de solução para a excessiva
dívida privada?
Até quando a economia real continuará a ser
secundarizada por causa dos interesses dos investidores especulativos que
lucram com a crise das dívidas soberanas?
[1] Conforme
referido pelo semanário The Economist no artigo The Euro crisis –
Debtors’prison na sua edição de 26 de Outubro de 2013
Que solução para a excessina dívida privada? Que o estado gaste menos e com isso cobre menos impostos...
ResponderEliminarExcelente e oportuníssimo texto.
ResponderEliminarAlerta, com perspicácia, para o fato de que nesta questão das dívidas pública e privada tudo está ligado. Não perceber isto dá as asneiras, escritas e praticadas, que se têm visto.
O argumento dos impostos que retirariam capacidade de financiamento às empresas é conhecido, mas também se sabe que os próprios empresários não o utilizam para justificarem a falta de investimento.
As questões colocadas pela Isabel são como o levantar de uma pedra cujo buraco está cheio de lacraus.
Sabe-se que a dívida privada é, pelo menos três vezes superior à pública. Então porquê tanta preocupação só com a pública?
A razão não é complicada. É porque os credores internacionais (e não poucos nacionais, como as instituições financeiras), como seria de esperar, estão preocupados é, sobretudo, com a dívida privada. Eles sabem que se as coisas correrem mal é o Estado que vai servir de instância de intermediação para reaverem os créditos concedidos, em primeiro lugar os das instituições financeiras que se endividaram, para emprestarem ao setor produtivo e sobretudo para realizarem aplicações especulativas (derivados, derivados, . . .).
E como as coisas não estão a correr bem é ver as receitas do Estado a esvaírem-se, para financiar rendas, PPP, garantias bancárias, outsourcings, etc.
As receitas não chegam? Não faz mal, vai-se ao Estado Social!