Ainda não foi desta. É
perfeitamente inacreditável a forma leviana e irresponsável com que o governo
trata um assunto que deveria ser de primeira importância. Totalmente intolerável
é a forma como responde perante os portugueses, também deste ponto de vista. O
sentido de responsabilidade soçobrou por completo, afogado em incompetência, amadorismo
e superficialidade, a falta de pudor faz o resto.
E, no entanto, tudo pode não
passar de estratégia. A estratégia e visão de conjunto que têm estado ausentes
da práctica governativa e que seriam indispensáveis à concepção de uma autêntica
reforma de Estado, pode bem estar subjacente – na sua acepção menos nobre- ao
sucessivo adiamento do esperado anúncio. A ser assim, tal sucederá
essencialmente por duas razões.
A primeira, tem a ver com a
grande questão ideológica: a reforma de um Estado que serve uma Constituição
democrática não poderá reger-se por princípios neoliberais, como os que
presidem à desigualdade na repartição dos rendimentos, ao peso crescente dos
rendimentos de capital face aos do trabalho ou à desigualdade de oportunidades,
efectiva e em crescendo, no acesso à educação, à saúde e restantes componentes
do Estado Social. Mesmo condenando este último à extinção e atropelando
sucessivamente as disposições constitucionais, o modelo não serve na forma…
A segunda razão tem a ver com a
impossibilidade técnica de proceder a uma tal reforma. Não só pela
incompetência e visão parcelares, já referidas, como também, e sobretudo, pela
impossibilidade que o governo tem de chegar a uma função de consenso social,
desde logo no seu próprio seio. Assistimos, com efeito, a constantes reflexos
de divergência de interesses e perspectivas entre os vários membros do governo,
mesmo quando se trata de reforçar as medidas de austeridade, desígnio comummente apropriado. Ora tais divergências não deixarão de estar presentes no processo de reforma do Estado.
Finalmente, mas não menos
importante, uma questão que a semântica ajuda a desocultar: em vez de um
documento consensualizado que resultasse de amplo debate público ou, no mínimo,
de um processo credível em que os diversos representantes sociais não
recusassem participar, iremos ter um “guião”. Muito provavelmente, algo que “nos
instrua” sobre como agir… contra os nossos próprios interesses. É que, na óbvia
impossibilidade de uma verdadeira reforma, vai-se cortando o mal pela raíz, reduzindo
o Estado à sua mínima expressão.
Margarida Chagas Lopes
24 de Outubro de 2013
E vai daí, surgem membros do Governo a dizer que a Reforma do Estado já vem sendo feita desde, pelo menos, há dois anos!
ResponderEliminarCompreendo. A fúria destruidora do Estado e não apenas do Estado Social não se compatibiliza com passes de salão como o da discussão do Guião.
Deixem-nos "à solta" e verão até onde eles poderão ir.
O governo nunca irá reformar verdadeiramente o Estado, eliminando todos os órgãos parasitários, Institutos, agências, autoridades, empresas municipais, comissões, fundações, …, porque é daí que a sua clientela retira rendimentos e por outro lado lhe permite e facilita os maiores e os mais sombrios negócios do Estado dado passarem ao lado do estudo e da análise por parte dos quadros dirigentes e de carreira da Administração Pública.
ResponderEliminarNa verdade, as reformas estruturais do Estado que a situação actual exige foram convertidas em meros cortes, subidas de impostos sobre o trabalho e privatizações e não na supressão destes organismos públicos parasitários. Quer dizer, corta-se nos rendimentos produtivos (a dos cidadãos e empresas privadas) e mantêm-se os improdutivos (donde a classe política extrai os rendimentos).