Os últimos dias têm sido marcados por acesa controvérsia e luta política em torno das gravosas medidas de cortes do emprego na função pública (desmantelamento do estado social!) e reduções do valor das pensões dos aposentados (empobrecimento colectivo!), medidas que o Governo se propõe levar por diante, ainda que com manifesto arrepio dos seus compromissos com os cidadãos, à margem da Lei fundamental e com notório desrespeito pelo Estado de direito.
Mesmo que as propostas apresentadas à Troika nunca cheguem a ser concretizadas, o simples facto de terem sido admitidas como possíveis (e defendidas como, eventualmente, inevitáveis!) já provocou um rombo no capital de confiança dos cidadãos e cidadãs cujo valor é difícil de estimar, como é sem preço a angústia e a depressão acrescidas para quem se sentiu potencialmente atingido por estas medidas e impotente para fazer valer os seus direitos, sem falar das consequências negativas de tais medidas para a economia. Estamos, por isso, perante uma situação grave com incidência não só no presente como no futuro.
Felizmente, há vozes que se levantam contra este estado de coisas em vários quadrantes do espectro político em contraste com o silêncio enganador que reina entre os defensores à outrance do status quo, porque este, aparentemente, convém aos seus interesses de curto prazo.
É contra esta miopia que importa reagir, chamando a atenção para as disfuncionalidades estruturais que ocorrem na fase actual do modelo capitalista e de como estas carecem de ser ultrapassadas, através de uma governação adequada à escala regional e mundial, mas sem que a falta daquela dispense estratégias de mudança de rumo, desde já, à escala nacional.
Estão identificados, mas continuam sem solução, problemas de monta, como sejam os da sustentabilidade ambiental, o modo de produção e de repartição da riqueza produzida, a partilha equitativa do trabalho e do emprego, a adequação da produção às necessidades das pessoas, a gestão e apropriação da inovação tecnológica e a correspondente qualificação dos recursos humanos, a contenção da especulação financeira e da evasão fiscal, a persistente sobreposição dos interesses privados ao bem comum, à coesão social e à sustentabilidade da democracia e, acima de tudo, a urgente superação da cooptação do poder politico pelo poder financeiro.
Assim sendo, e sem prejuízo de ser necessário manter uma vigilância crítica, de denúncia e de propostas alternativas, acerca das medidas de curto prazo, importa ver além da espuma do tempo e tomar consciência de que, por detrás destas medidas governamentais avulsas e ditadas por aparente ignorância e insensatez dos actuais governantes e seus conselheiros, se perfila, não uma vontade política de uma alteração desejável e consequente de paradigma da economia e da sociedade, que seja ditada por uma vontade de desenvolvimento humano sustentável, justiça social, coesão social e mais democracia. Mas, ao invés, deparamos com uma defesa intransigente, embora míope, dos privilégios dos grupos mais poderosos, à escala nacional, comunitária e mundial.
Um pequeno País, como Portugal, com recursos potenciais por utilizar, com capital de conhecimento científico e tecnológico, com uma vasta rede de capilaridade de presença dos seus cidadãos nos quatro cantos do Mundo, com valores humanistas e práticas de cooperação e solidariedade, dispõe das condições básicas para uma mobilização colectiva em ordem a um desenvolvimento humano sustentável. É esta a tarefa mais decisiva e urgente que, como Povo, temos pela frente; só ela nos permitirá quebrar as amarras de um anunciado empobrecimento colectivo.
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