Um título estranho que, afinal, tem
muito a ver com a realidade que estamos vivendo. Parece que as suas várias
componentes não têm nada a ver umas com as outras mas, como veremos, estão
profundamente entrosadas.
Todos temos uma perceção mais ou menos clara, do que são
bens e serviços públicos e bens e serviços privados. É comum considerar-se como
bens e serviços públicos os que são possuídos pelas administrações públicas e
como bens e serviços privados os que são detidos por pessoas individualmente,
qualquer que seja o título que justifica a sua apropriação.
É uma distinção que, no entanto, gera muitas erradas interpretações, porque tende a confundir as formas de gestão com a verdadeira
raiz da existência dos bens ou serviços públicos.
Em economia há, um critério mais rigoroso para definir o que
são bens públicos. São bens públicos os que obedecem às propriedades de “não
rivalidade”, de “não exclusividade” e de “indivisibilidade”.
Parece que a introdução desta nova terminologia só vem
complicar as coisas quando elas precisavam de ser simplificadas. Não é esse
o caso, como veremos.
A propriedade da “não rivalidade” significa que um indivíduo,
ao consumir um bem ou serviço (por ex. passear num jardim, ouvir um concerto
num espaço público), não faz concorrência, isto é, não limita o benefício que
outro indivíduo pode retirar desse mesmo consumo.
A “propriedade da não exclusividade” significa que nenhum
indivíduo pode apropriar-se em exclusividade do bem ou serviço, ainda que o
deseje.
A “propriedade da indivisibilidade” tem como consequência o
bem ou serviço não poder ser consumido às parcelas; ou se consome todo, ou não
se consome.
Nos “bens ou serviços públicos puros” estas propriedades
verificam-se em qualquer tempo ou lugar. É fácil de compreender, no entanto, que estes critérios
sofrem limitações: no tempo, porque um serviço que hoje é público, pode não o
ter sido no passado (por exemplo a distribuição de energia elétrica) e
inversamente; no espaço, já que o que é tomado como público numa determinada
cidade, pode não o ser numa outra (por ex. a existência de uma orquestra
sinfónica financiada pelos poderes públicos da cidade).
Há quem considere que só podem ser públicos os bens ou
serviços cujas propriedades decorrem das suas características naturais (o ar, a
água da chuva, e as forças armadas, por ex.). No entanto, é cada vez mais
generalizada a opção segundo a qual os bens e serviços são públicos, não apenas
por causa da sua natureza mas, também, em consequência de opções de caráter
político. Isto acontece quando, por ex., uma sociedade, uma comunidade, entende que determinados
bens ou serviços, que só beneficiam determinadas classes privilegiadas, devem
passar a beneficiar toda a população, passando as autoridades públicas a ter a
responsabilidade de proporcionar a todos, o acesso a esses bens e serviços.
E cá estamos nós chegados à RTP, aos palácios, aos repuxos
de água, aos concertos de câmara, aos jardins de buxo e ao crescimento da Relva.
A televisão tanto entre nós, como na grande maioria dos
outros países, foi concebida como um serviço público porque se considerou que a
informação e os outros serviços que disponibiliza têm que estar acessíveis a
todos, em igualdade de condições e garantindo uma total característica de
isenção. Esse é um dos fundamentos da sociedade democrática. Isto não significa
que não possam existir canais de televisão de iniciativa privada, embora
convenientemente regulados pelo Estado. Contudo, a iniciativa privada não substotui a iniciativa pública.
Se a televisão fosse
considerada, apenas, um serviço privado, ou mesmo só objeto de concessão a privados, os
valores, acima referidos, que se pretendia proteger podem ser postos em causa.
Vide o que poderia acontecer se a
concessão, após a realização de concurso público internacional, fosse atribuída
a um canal ou entidade estrangeira. De pouco valerá falar de que não tem que
haver receio argumentando que a forma da gestão dos programas estará pré-fixada nas
condições da atribuição da concessão.
Quanto aos palácios, já houve tempo em que eram domínio
privado. Hoje, a grande maioria deles é propriedade pública e está sujeita à
gestão pública e podem ser usufruídos por toda a população.
De igual modo nos poderíamos referir aos repuxos de água que
no passado só estavam disponíveis nos jardins dos palácios, para gáudio dos
nobres que aí habitavam.
A música de qualidade também só estava acessível a poucos.
Quem não conhece a contratação de compositores e músicos por reis, príncipes e
papas? Ao povo, às vezes, ficava reservado o canto do “nosso fado”.
Os jardins de buxo são composições de rara beleza de cuja
observação a grande maioria de nós não poderia beneficiar, a menos que
espreitasse pelo buraco da fechadura dos palácios. Hoje, eles são, na sua
grande maioria, considerados um bem público.
Acontece que não há
jardins dignos desse nome sem um bom tapete de Relva, o que só é possível se a Relva
for de qualidade. Entre nós os principais tipos de relva são: o escalracho, a bluegrass, a ryegrass, a festuca
e a bermuda. A plantação ou semeadura de cada uma delas não tolera, no entanto,
o crescimento de ervas daninhas, com grande facilidade confundidas com a verdadeira relva. A
estas, ou estes, Relvas há que dar um combate incansável, sem o que eles darão cabo de todo o jardim, nomeadamente, pelos efeitos perversos
resultantes das tentativas de criação de comunidades urbanas, de transmissão de
informações biológicas que eliminam a relva boa ou de se envolverem em reformas
administrativas pouco sustentadas.
Estas são algumas das tentativas que vemos proliferar e que
rapidamente podem fragilizar os nossos jardins (democracia).
Compreenderam?
Espero que sim.
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