O texto de ontem de Manuela Silva "Em Defesa do Valor do Trabalho" e a iniciativa deplorável e provocatória nele denunciada e que manchou o passado 1º de Maio são alguns dos motivos que me levam a escrever hoje este post. Os outros resultam da leitura de 2 artigos publicados no jornal Público: um, no próprio 1º de Maio, intitulado “Este não é um 1º de Maio qualquer” e da autoria de Juan Somavia, Director-Geral da OIT, e o outro, hoje 4 de Maio, com o título “O império do mal”, e da autoria de Domingos Ferreira, Professor da Universidade do Texas e da Universidade Nova de Lisboa. Juan Somavia diz que “…em demasiados locais, perdeu-se a noção básica de que o trabalho não é uma mercadoria”. Ora este é, significativamente, o primeiro dos “princípios fundamentais sobre os quais se funda a Organização”, como consta do artigo I da “Declaração de Filadélfia” da OIT (1944). O governo actual (como aliás, há anos, procedeu de forma semelhante um de idêntica orientação) acabou com o Ministério do Trabalho, meteu (ia a dizer que misturou) as questões e políticas do trabalho e emprego entre as questões de economia e transportes, entre as de produção, comércio e exportação. Os problemas de emprego são, de facto, uma questão de política económica (mas não só). Mas o ponto não está aí, o ponto está na desvalorização do trabalho em que essa opção se insere e que tem sido efectivada na revisão da legislação laboral e das condições de apoio social no desemprego (estas a cargo de outro ministério evidentemente sintonizado com o da economia), a pretexto de flexibilizar o chamado mercado de trabalho e, pretensamente, facilitar o emprego (o que a evidência tem mostrado ser falso). Pese embora haver um “mercado” de trabalho (expressão de que discordo, mas com a qual se convive, na medida em que há oferta e procura), o trabalho não é mercadoria, o trabalho não é um objecto comercial! É certo que, ao nível da própria UE, houve tentativas, e até há pouco bem visíveis, de desvalorização do próprio direito do trabalho, procurando fazê-lo equivaler-se ao direito de comércio de bens e serviços. E não se pode deixar de lembrar que isso era contraditório com o apoio expresso da própria Comissão Europeia à Agenda do Trabalho Digno lançada pela OIT. Não é demais lembrar que o trabalho não é apenas um custo, a esmagar o mais possível. O trabalho é uma situação humana, com vários aspectos que a tornam complexa, mas de que destaco o de configurar o desempenho de um papel de utilidade social e de realização pessoal (e familiar e cidadã), como aliás salienta a Doutrina Social da Igreja referida por Manuela Silva no seu texto. Como se pode falar de projecto de futuro e de vida para os 36% de jovens desempregados ou para os 40% com um nível salarial abaixo dos 600 euros (em contraste tantas vezes com o nível de qualificação)? E, a propósito, cito outra vez Juan Somavia, o qual, sobre políticas de consolidação orçamental diz: “Numa democracia, é mais importante manter a confiança de longo prazo das pessoas – especialmente as mais vulneráveis – do que ganhar a confiança de curto prazo dos mercados financeiros”. E isto leva-me ao artigo de Domingos Ferreira que em “O império do mal” denuncia a “estratégia predadora do Goldman and Sachs” através da infiltração de antigos seus quadros nas grandes instituições políticas e financeiras internacionais, referindo Mario Draghi, Mario Monti, Lucas Papademos, a que acrescento eu António Borges em Portugal, embora, claro, a um nível mais modesto. No final do seu artigo diz Domingos Ferreira: “Este poderoso império do mal…está a destruir não só a economia e o modelo social, como também as impotentes democracias europeias:” Lembrem-se do que há pouco Mario Draghi disse sobre o estado social… A pouco e pouco, se não houver sobressaltos, nas nossas democracias europeias estaremos longe da Agenda do Trabalho Digno cujos objectivos são que todas e todos possam “aceder a um trabalho digno e produtivo, em condições de liberdade, equidade, segurança e de dignidade humana”, de que faz parte “acesso progressivo a um emprego bem pago e com direitos” (Juan Somavia, no artigo referido).
Não resisto a juntar-me ao Claudio e à Manuela, a propósito do valor do trabalho. Para isso, venho lembrar a mensagem de Somavia ao encontro do passado mês de Abril com o FMI e o BM.Diz o Director-geral da OIT que as projecções internacionais apontam para um ligeiro aumento do crescimento económico no final de 2012 e em 2013, insuficiente contudo para beliscar a perda de empregos que se fez sentir com a crise de 2008, existindo riscos de outras perdas no futuro.A situação é tanto mais preocupante, quanto se sabe que as economias mais industrializadas se encontram perante os maiores níveis de desemprego e de desigualdade desde a Grande Depressão. Ora, valorizar o trabalho tem também a ver com a adopção de políticas de criação de empregos e de combate do desemprego, o que exige políticas macroeconómicas adequadas e maior coordenação das políticas a nível europeu. Em particular, os esforços que estão a ser levados a efeito para aumentar a produtividade e reduzir os custos, que têm colocado os trabalhadores sobre forte pressão, arriscam-se a ser completamaente anulados por intermédio das flutuações decorrentes da turbulência dos mercados financeiros, que continuam a ser insuficientemente regulados.
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