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06 julho 2021

Uma “revolução” no Ensino Superior? E se sim … a quem interessa?

Nos últimos dias os jornais têm vindo a fazer eco de uma anunciada "revolução no Ensino Superior (ES)". Infelizmente já estamos a habituar-nos a estas parangonas e letras de caixa alta. Mas interessa que nos questionemos sobre o que possa estar, de facto, por detrás disto.

Como se sabe, as restrições impostas pela pandemia de COVID-19 levaram à necessidade de substituir as aulas presenciais por modalidades diversas de ensino à distância, também no ES. Assim aconteceu em diversas instituições de ensino, no país e fora dele.

Ora, o que aparenta estar senão em curso, pelo menos em mente, sob a capa daquela “revolução”, é nem mais nem menos do que um aproveitamento desta situação pandémica para induzir no ES uma quase total erradicação das aulas presenciais. Com vantagens para a política de recursos humanos, provavelmente.

Mas não é necessário que se reveja o actual “figurino” do ES?

 Certamente que sim, diversos estudos têm apontado nesse sentido e, também, alguns que temos vindo a desenvolver no âmbito deste GES. Temos vindo a analisar, e a referir, que se constata uma grande falha de formação teórica ao nível da Filosofia das Ciências, da Epistemologia, da Ética, da História das Ciências, entre outros domínios. E que essas lacunas são fatais para a formação criteriosa de profissionais conscienciosos e socialmente responsáveis. Também temos denunciado a grande limitação existente na formação em contexto real, desde logo em Economia, mas profissionais de outros domínios se queixam do mesmo. Não é, no entanto, legítimo que se deduza que se deva proceder a uma limitação da mancha das aulas teóricas a favor de um incremento de tempos práticos e situações de contacto com a realidade: ambas são necessárias!

Mais abusivo se torna, ainda, associar aulas teóricas a aulas que possam e devam transitar, generalizadamente, para modalidades de ensino online, como parece deduzir-se dos "fumos de informação" entretanto propalados. Com efeito, há algum diagnóstico sério feito nesse sentido que baseie esta eventual decisão política? Não, não há. Infelizmente.

Mas a nós interessa-nos conhecer a realidade. Assim, e por exemplo no Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), no primeiro semestre da pandemia procedeu-se à quase completa substituição de aulas presenciais por modalidades diversas de ensino à distância. Mas constatando-se os efeitos, decidiu-se enveredar no semestre seguinte, e ainda em pandemia, por um regime misto: oferecendo simultaneamente aulas presenciais e ensino à distância e organizando a formação “em espelho”, isto é, de modo que metade dos alunos se distribuíssem por aquelas modalidades e trocando entre si de duas em duas semanas.

Estamos neste momento a explorar os resultados de um inquérito que visa, entre outros aspectos, proceder à comparação entre aqueles dois semestres no ISEG. Embora ainda em fase muito embrionária, os resultados apontam para uma preferência nítida pelo segundo regime, valorizando muito mais os alunos as aulas presenciais, seguidas das aulas online síncronas, e do mesmo modo o esclarecimento de dúvidas e as tutorias em regime de “face to face” ou, quando muito, em tempo real…

A quem interessa, então, a redução ou eliminação das aulas presenciais?

Não é, de certeza, aos alunos, sobretudo àqueles que se defrontam com maiores restrições financeiras. Com efeito, os primeiros resultados dos inquéritos que estamos a analisar apontam isso mesmo, revelando-se uma forte associação entre ter mais dificuldade em adaptar-se e em identificar as principais dificuldades de aprendizagem e pertencer a famílias menos bem apetrechadas em recursos indispensáveis para o ensino à distância, designadamente uma boa rede de internet, posse de webcam e outros recursos de estudo complementares. Concordando com análises anteriores sobre o sistema de ES no nosso país[1], parece constatar-se mesmo mais: a persistência do efeito de inércia na transmissão intergeracional do “capital escolar”, sobretudo por parte das mães. As mães mais escolarizadas continuam a ter com maior probabilidade filhos que se adaptaram melhor às novas modalidades de aulas e que obtêm melhores resultados, facto que não deixará também de estar eventualmente associado a um maior nível de rendimento familiar, relação ainda a confirmar.

O certo é que, uma vez questionados, os alunos sabem igualmente indicar com grande clareza quais as políticas de educação e de acção social que melhor os poderiam favorecer na transição para um ensino à distância em que se encontrassem mais bem equiparados quanto a oportunidades: políticas de propinas, de empréstimos públicos e bancários, de acção social indirecta, entre outras modalidades.

Será que os decisores políticos estão a levar isto em conta quando nos fazem chegar os primeiros “fumos” da desejada “revolução”? Não temos nenhuma evidência que assim seja.

O mais preocupante é que as preferências e limitações expressas pelos alunos do ES não constituem uma particularidade portuguesa, antes pelo contrário!

Com efeito, os inquéritos lançados no ISEG e que estamos a analisar são suportados por um questionário idêntico ao utilizado pela European Students Union[2] num inquérito sobre os efeitos da COVID lançado num conjunto amplo de países europeus. E cujas conclusões antecipavam já, em geral, as tendências que por cá estamos a começar a obter. Se bem que alguns desses países se note também uma preferência dos decisores políticos por aulas à distância no ES.

Mas teremos nós atendido suficientemente ao nosso atraso relativo em matéria de ES ou estaremos, uma vez mais, a querer apenas seguir a moda? E, ainda para mais, sem cuidar das políticas de promoção da equidade social indispensáveis a um ensino democrático.

 

 Margarida Chagas Lopes

Graça Leão Fernandes

 

 



[1] Como nos demonstram diversos relatórios anuais Education at a Glance  da OCDE (www.oecd.org/eag/).


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