Em 1
de Março passado, o Conselho Nacional de Educação (CNE) aprovou, em sessão
plenária, um Parecer
sobre o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Nele se insistia na necessidade
de se elaborar e publicar, até à aprovação do Quadro Financeiro Plurianual, uma
“Visão Integrada da Estratégia de Educação e Formação, de Capital Humano e de
Investigação e Desenvolvimento”, uma vez que o PRR é totalmente omisso
relativamente a uma tal estratégia. Constituindo esta a primeira das
recomendações emitidas, o Parecer desdobrava, nos itens seguintes, os elementos
fundamentais de uma tal estratégia, destacando-se:
-
o reforço da oferta educativa para o escalão etário dos 0 aos 3 anos bem como para a população adulta pouco
escolarizada;
-
a revisão curricular e a sua adequação quer aos novos paradigmas e desafios sociais,
quer à inovação a introduzir na formação inicial e contínua de professores, revalorização
estatutária e acompanhamento pedagógico dos docentes;
-
a integração dos conteúdos educativos de modo a valorizar-se as dimensões
ensino-aprendizagem, a valorização das dimensões criativa, humanista,
artística, desportiva, o desenvolvimento das competências digitais “enquadradas
numa formação crítica, criativa e responsável do seu uso”;
-
a inclusão das instituições de ensino superior neste processo de concepção
estratégica, designadamente no que respeita à transição digital;
-
a concepção e implementação da Educação Ambiental em todos os níveis e graus de
ensino, bem como um foco sustentado na Educação para o Risco;
-
a consideração da dimensão regional e territorial, a ser servida por uma rede
adequada de ensino e aprendizagem respeitando as preocupações anteriores…
-…
O
Parecer do CNE sublinhava a necessidade de uma tal visão estratégica estar
disponível de modo a tornar-se operacional aquando da aprovação do Quadro
Financeiro Plurianual 2021-2027, o qual
deveria constituir a sua base de financiamento e enquadramento orçamental por
excelência.
Teria
razão de ser, este Parecer do CNE?
Não é preciso rever muita documentação nem consultar muitos indicadores para concordarmos com o que ali é recomendado. Raro é o estudo ou documento independente sobre a educação em Portugal em que não se lamente e critique a inexistência de uma qualquer estratégia educativa no nosso país e se justifique, com base em indicadores estatísticos adequados, as nefastas consequências daquela omissão sistemática. No Grupo Economia e Sociedade (GES) temos vindo a reflectir e a publicar repetidamente sobre este aspecto. Mas também documentos oficiais, como o Estado da Educação 2019 (CNE 2020), se dúvidas houvesse as dissipariam, ao mostrar-nos, por exemplo, que entre 2015 e 2018 Portugal pouco melhorou relativamente à educação da população portuguesa adulta dos 25 aos 64 anos, a segunda depois da turca a deter em maior proporção o ensino básico como escolaridade máxima, no âmbito da EU-28. E que, apesar disso, a despesa pública com educação e formação (EF) de adultos caíu em 2018 e 2019…Ou a base de dados europeia que, relativamente ao cumprimento dos Objectivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) classifica Portugal como “significativamente afastado” das metas da EU no que respeita ao nível de competências em Leitura, Matemática e Ciências (EUROSTAT DATABASE 2021).
É então altura de se apreciar o trabalho desenvolvido pelo Ministério da Educação através das políticas acabadas de anunciar de recuperação de aprendizagens. Trata-se do “Plano 21|23 Escola +, Plano de Recuperação de Aprendizagens” , relativamente ao qual nada sabemos quanto à inclusão ou não dos seus conteúdos na versão final, igualmente desconhecida da opinião pública, do PRR… De qualquer modo, trata-se do único “Plano” produzido e divulgado pelo Ministério da Educação posteriormente à apresentação e negociação em Bruxelas daquele PRR.
O
título do Plano deixa-nos, desde logo, uma interrogação: poderá uma estratégia
educativa vigorar por dois únicos anos, neste caso 2021/23?
Mas
a leitura das 10 páginas do “Plano” elucida-nos de imediato: trata-se de um
mero remendo de curto prazo, virado exclusiva e incompletamente para a remediação
dos efeitos da pandemia. Remendo esse que arremeda, no entanto, precipitada e
confusamente, para voos e âmbitos de maior fôlego, ao referir:
Trata-se,
assim, de um Plano abrangente que permitirá, a curto, médio e longo prazo, a
implementação de um conjunto de medidas que possibilitem uma intervenção junto
dos alunos ao nível da recuperação das aprendizagens, da socialização e do seu
bem-estar físico e mental, incidindo sobre aspetos curriculares, organização
escolar, recursos de apoio e dimensões comunitárias, assente numa escola que
integra e articula princípios educativos, curriculares, pedagógicos, que
convergem para a aprendizagem e para o bem estar socioemocional (“Plano”,
pp. 4-5).
Mas
como? De que forma e através de que políticas se permitirá … a curto, médio e
longo prazo…a implementação de medidas … que possibilitem … a socialização e a
promoção do bem-estar físico e mental dos alunos, convocando “aspectos
curriculares”, organização da escola, etc.. etc.. ? Entre 2021 e 2023? E se
nada se diz sobre:
- formação inicial e contínua de
professores, valorização da carreira docente …
-
reapreciação curricular e desenho integrado dos currículos face aos novos
desafios sociais…
-educação
ambiental, ecológica, para o risco…
-
organização vertical, horizontal ou mista dos programas, sua articulação e grau
de flexibilização….
-
etc. etc.
Nem
uma palavra. Só questões de logística, intendência e administrativas que chegam
ao pormenor de referir a continuação da distribuição de máscaras e
disponibilização de equipamentos informáticos, nada se referindo sobre os
correspondentes custos de utilização, diga-se a propósito… Quanto a “estratégia”
remete-se, através do chavão da autonomia escolar, para “inovações” que já hoje
em dia fazem parte do quotidiano das escolas ou que estas já experimentaram e
estarão dispostas a afastar pelos maus resultados, como os TEIP…
Assim
não! Duvido que alguém ainda se deixe enganar com mais esta tentativa de nos
atirarem areia para os olhos.
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