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14 janeiro 2020

“Não me temo de …Bruxelas… mais me temo de Lisboa”: a propósito do OE2020 para a Educação e a Ciência


Atribui-se a Derek Bok, Presidente da Universidade de Harvard nos anos 70, a frase: If you think education is expensive try ignorance. Repetida por muitos autores e comentadores sociais, ela surge-nos recorrentemente quando analisamos o estado das políticas promotoras do conhecimento em países como o nosso.

O custo da Educação, os encargos com a Ciência…há que contê-los, de outro modo dificilmente se conseguirão obter finanças superavitárias e outros brilharetes nas bruxelas deste mundo. Ainda por cima, prometeu-se a “benesse” de que as universidades e os politécnicos não seriam neste exercício sujeitos a cativações; querer aumentos orçamentais mais amplos seria manifestamente um exagero…E, apesar de tudo, sempre se verifica um aumento de cerca de 5,6% no Ensino Superior, considerando o Ministro Manuel Heitor que o orçamento é “muito equilibrado e realista”, permitindo o equilíbrio das contas mas também “passo após passo, o caminho da convergência europeia”.

Mas será mesmo assim?

Não somos da mesma opinião. Sobretudo porque o aumento orçamental se destina quase exclusivamente a fazer face a salários e despesas correntes, enquanto se verifica um corte de cerca de 14 milhões de euros no Fundo de Acção Social, isto é, no fundo que financia as bolsas para os estudantes do Ensino Superior.

Mas não se diz também que as propinas no ensino superior tenderão a baixar?

A ver vamos, tudo depende dos compromissos que as instituições de ensino superior (IES) e o Governo central estabeleçam neste domínio. Se tal se verificar - será importante a este respeito a discussão na especialidade do OE 2020 - será bastante positivo já que as IES portuguesas cobram propinas relativamente elevadas quando comparadas, em paridade dos poderes de compra, com muitas das suas congéneres europeias. Por outro lado, o Estado português não comparticipa este custo, assim como não tem vindo a aliviar, até agora, muitos dos encargos que os estudantes e famílias têm de suportar, designadamente com alojamento.

Diversos estudos e análises têm vindo a mostrar que existe uma fortíssima sintonia entre a evolução do número de bolsas públicas e o número de matrículas no ensino superior desfasadas um ano[1]. Os dados estatísticos revelam-nos que, de 2017 em diante, se vem verificando um decréscimo do número de bolseiros do ensino superior em proporção do total de estudantes no mesmo ciclo de estudos (www.pordata.pt) … A “estratégia” de aposta no desenvolvimento dos estudos avançados, face ao corte referido, parece contar, diz-se, com o financiamento europeu para manter um nível idêntico de dotações para acção social. O que de estratégico tem pouco ou nada…

Já a quota-parte do orçamento para o Ministério da Educação aumenta 1,5% no exercício de 2020. A principal prioridade é atribuída pelo gabinete ministerial à promoção da inclusão, não abandono e sucesso escolar, designadamente através do Programa Nacional de Promoção do Sucesso Escolar, que visa essencialmente a população jovem.

E quanto ao aumento das qualificações da população adulta?

Convém lembrar que, de acordo com o relatório da OCDE Education at a Glance - 2019 a percentagem da população adulta portuguesa com o ensino superior – cc. 25% em 2018 - se mantém substancialmente inferior à média dos outros países europeus e da OCDE, ao mesmo tempo que, naquela mesma população, a percentagem de indivíduos sem o ensino secundário é a sexta mais elevada dos países da U.E. e da OCDE considerados naquele estudo. Estamos, assim, bastante longe do cumprimento de dois dos requisitos fundamentais do nº4 dos Objectivos do Desenvolvimento Sustentável (SDG – Sustainable Development Goals, https://sustainabledevelopment.un.org/sdg4), objectivos que subescrevemos e recorrentemente afirmamos querer cumprir.

Ora, o principal instrumento de política que o OE2020 propõe para a formação da população adulta é o Programa Qualifica, herdeiro do programa Novas Oportunidades em muitos dos seus pontos fortes e pontos fracos: prevendo que cerca de 50% da população adulta tivesse atingido o ensino secundário em 2020, estava-se ainda bastante longe daquele objectivo em 2018 (36%)…

Que estratégia de desenvolvimento do conhecimento e que convergência europeia são estas? Muito pelo contrário, mostram-nos estes dados, longe da convergência e sem que qualquer estratégia se vislumbre. E agora é Sá de Miranda que nos vem à cabeça: “não me temo de Castela… mais me temo de Lisboa, que ao cheiro desta canela o reino se despovoa”… Aqui também mais nos tememos de Lisboa, do que de Bruxelas, que “ao cheiro” do superavit orçamental o Governo parece apostado em optar pela ignorância.




[1] Ver, por exemplo, o nosso post Políticas de Educação e o princío do conta-gotas, de 4 de Dezembro de 2018 (http://areiadosdias.blogspot.com/2018/12/politicas-de-educacao-e-o-principio-do_49.html).

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