Muito trânsito na ponte 25 de Abril,
ainda vai muita gente para a praia a aproveitar este bom tempo de Outono. Mau
sinal para as eleições… Ou virão votar ao fim da tarde, já perto do fecho das
urnas, com muitos é o que sucede.
E
como votamos, com base em que ideais, ou serão ideias feitas? Como decidimos,
como nos orientamos?
Ao
contrário do que seria desejável, a escola – especialmente a escola pública –
pouco nos ensina nesse sentido. Ela deveria formar para a cidadania e fá-lo teoricamente.
Em Educação para a Cidadania (EC), disciplina não obrigatória dos 1ºs, 2ºs e
3ºs ciclos do ensino básico, o programa é tão vasto e denso, tão dominado por
conceitos teóricos e abstractos, que dificilmente consegue informar, quanto
mais formar, para o processo eleitoral, seu conteúdo e significado[1].
Menos ainda para a preparação que os cidadãos devem fazer, para se inteirar e
informar de forma rigorosa e sistemática. Mais recentemente, o último
executivo promulgou em 2016 a Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania[2],
para entrar em vigor no ano lectivo de 2017/2018 e visando essencialmente as escolas
com autonomia e flexibilidade curriculares, através dos conteúdos de Cidadania
e Desenvolvimento (CD) da área de Ciências Sociais e Humanas. Não se consubstanciando em currículos definidos mas apenas em referenciais
e perfis de formação, aqueles conteúdos deverão ser propostos aos alunos, de forma transversal e
globalizante, já no 1º ciclo, assumir a forma de disciplina autónoma (CD) nos
2º e 3º ciclos do ensino básico e constituir componente
do currículo desenvolvida transversalmente com o contributo de todas as disciplinas
e componentes de formação no ensino secundário.[3]
Também devem ser abrangidos os jovens em Escolas de Educação e Formação, caso
em que se prevê “o contributo de todos os professores”.
A
leitura destes referenciais e perfis assusta pela diversidade e extensão dos conteúdos
e sua densidade teórica, mas sobretudo pela falta de um mínimo de reflexão e
orientação pedagógicas que aqui seriam indispensáveis, antes se deixando total
flexibilidade às escolas e/ou agrupamentos para levar a cabo tamanha missão.
Sendo ainda cedo para se tirarem conclusões rigorosas sobre este processo,
sublinhamos apenas que é esta, em linhas gerais, a oferta formativa a que têm
acesso jovens que leem cada vez menos e que não adquiriram o hábito da leitura
regular dos jornais e outras fontes informativas.
E os
adultos, aqueles que saíram da escola há bastante tempo, maioritariamente sem
aceder ao ensino secundário e à “benesse” da disciplina de Organização Política
e Administrativa da Nação, de que tantos de nós, portugueses, guardamos memória,
geralmente bastante má? A população adulta portuguesa, pouco escolarizada pelos
padrões europeus, tem sorte quando conseguiu constituir uma cultura de
trabalho, a par das competências profissionais promovidas pela experiência.
Nessas situações, que hoje cada vez menos restam, partidos e sobretudo
sindicatos promoviam o debate e através dele o sentido crítico, a noção da
responsabilidade profissional e social, o conhecimento dos meios e factores de intervenção
social e a forma de os integrar[4].
Relendo MCCormick, a propósito dos Discourses
de Maquiavel, a população trabalhadora estaria então (mais) consciente não só da
natureza social e de classe das eleições como também do seu próprio direito à
intervenção e participação cívicas[5].
Estamos
muito longe desses tempos. Para a população adulta, sobretudo a menos
escolarizada, a in-formação sobre os ciclos políticos e os processos eleitorais
depende então, sobretudo, da informação (quando é digna desse nome) dos órgãos de
comunicação e da qualidade das intervenções que neles fazem os responsáveis
políticos, através de entrevistas, debates, reportagens. A qualidade
in-formativa destas actividades depende da responsabilidade conjunta dos
jornalistas e dos representantes políticos: da robustez da formação
profissional e ética dos primeiros, da clareza ou opacidade dos discursos dos
segundos, estratégias a que obedecem, eventuais truques para esconder os esqueletos
nos armários… Ora, como cada vez mais conhecemos e assistimos, estes exercícios
só muito raramente vão ao fundo das grandes questões, em muitos casos nem
sequer as abordam[6].
Então,
a maioria da opinião pública, arrisco-me a dizer, vota da mesma forma que o
compadre ou a sobrinha, por contraposição sistemática ou adesão acrítica às
últimas experiências governativas, pelo que ouviu da espuma dos dias nos
debates, no que foi influenciado pelas fugas de informação que – tão oportunamente… – surgem
a meio do processo eleitoral e que afinal apenas contribuem para desacreditar o
processo democrático.
Fim de tarde de Outono, ainda com sol. A estas horas, com as filas da
ponte, já não chegamos a tempo de votar. Deixa lá, fica-se mais um bocado e
logo vêem-se os resultados pela televisão. Lembra-me de comprarmos umas bebidas a
caminho e de chamar os vizinhos.
[1] Ver
Direcção Geral da Educação, em https://www.dge.mec.pt/educacao-para-cidadania-linhas-orientadoras-0.
[4] Ver, por exemplo, Freyssenet M., "Peut-on parvenir à une
définition unique de la qualification?", in Commissariat Général du Plan,
La qualification du
travail, de quoi parle-t-on?, Paris: La Documentation française, 1978, pp
67-79. Édition
numérique,
http://freyssenet.com/?q=fr/node/, 2006, 120 Ko.
[5] Mc. Cormick, J. (2001), Machiavellian Democracy: controlling elites
with ferocious populism, American Political Science Review, vol 95, nº 2.
[6]
Pense-se, a este respeito, na total ausência de reflexão sobre a crise do
sistema como um todo, por incapacidade geral de uma visão global e integrada
dos aspectos sectoriais e parcelares, por mais importantes que o sejam de per
si.
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