Formulação
estranha? Nem por isso, e perfeitamente justificada, como veremos, a seguir.
Com ânimos mais
ou menos exaltados, muito se tem dito e escrito sobre as parcerias
público-privadas, e, nem sempre, com a racionalidade que as circunstâncias
exigiriam. Recentemente, tal tem acontecido entre nós, por ex., no âmbito do
Sistema de Saúde Público (SNS). Abaixo, tomarei esta como principal referência.
Parece que já tudo
terá sido dito. Do meu ponto de vista, ainda não foi. E, sobre as parcerias
privado-públicas não conheço que alguma coisa se tenha refletido até agora.
Uma análise ponderada destas últimas teria mostrado que o debate das primeiras mereceria
ser feita de forma menos extremada.
1. A
gestão privada dos serviços públicos
Vejamos algumas
das características das parcerias público-privadas. Com as parcerias público-privadas
pretende-se possibilitar que a iniciativa privada possa ser aceite, para
realizar, de forma mais eficiente, a gestão de instituições públicas ou de
projetos que têm como objeto a promoção do bem público.
Será que é
justificável? Há argumentos que justificam o não e argumentos que justificam
o sim. Vejamos de onde é que vêm os argumentos do não. As
instituições públicas e serviços do Estado têm como vocação e motivação a
produção e distribuição de bens e serviços públicos. São bens e serviços que,
quer no processo de produção, quer no processo de distribuição, não podem ser
objeto de exclusividade, nem de rivalidade, por quem os produz e distribui, ou
por quem os consome e deles beneficia. Esta sua natureza decorre de
circunstâncias objetivas e não de juízos morais ou ideológicos. Reconhecidas
essas circunstâncias opções de índole política poderão ter que ser tidas em
consideração.
Tem-se desenvolvido
uma extensa literatura tendente a justificar que em nada é modificada esta
natureza, se a gestão destes bens e serviços for realizada pela iniciativa
privada, pois que, na maioria dos casos, tenderá a criar maiores benefícios
para a sociedade, já que consegue realizar essa gestão em condições de maior
eficiência (o Estado, diz-se, é mau gestor e bom gastador). É este o
argumento do sim.
Parece um bom
argumento, mas não é. Para vermos que não é, importa que compreendamos o que
é que quer dizer fazer a gestão, de uma instituição pública ou de uma
instituição privada.
2. Em
que consiste a gestão?
Gerir
significa:
1.
Mobilizar
e combinar os meios disponíveis, de forma a alcançar os objetivos fixados e a obter
os melhores resultados (curto e médio prazo);
2.
Mobilizar
e combinar os meios disponíveis, respeitando regras de comportamento
coletivamente aceites;
3.
Adoptar,
não apenas, comportamentos de curto e médio prazo, mas, também, saber
compatibilizá-los com objetivos de longo prazo, quer no domínio dos meios que
possam vir a ser obtidos, quer no domínio da evolução dos objetivos que a
sociedade pretende ver satisfeitos.
Ora, pode aceitar-se que a iniciativa
privada é capaz de realizar, no curto prazo, uma gestão mais eficiente do que a
iniciativa pública recebendo, em contrapartida, a prestação financeira que
tiver sido negociada no contrato de concessão. No entanto, já se vê com
dificuldade como é que a iniciativa privada é capaz de reunir condições para
dar resposta aos segundo e terceiro objetivos da gestão, acima referidos.
Para garantir a sustentabilidade dos meios
e dos objetivos (numa perspetiva de longo prazo) torna-se necessário realizar o
seu planeamento tendo esse horizonte como tempo de referência. Com certeza que,
tanto as instituições públicas, como as privadas fazem, ou deveriam fazer,
planeamento de longo prazo. O que não o fazem é com o mesmo animus.
A iniciativa privada não pode deixar de
ter como motor a obtenção de lucros e a sua distribuição pelos titulares da
iniciativa, com vista ao seu benefício imediato ou à realização de
investimentos que garantam que a obtenção de lucros continua a ter
sustentabilidade.
Com a iniciativa pública o motor não é o
lucro, mas sim a prestação do melhor serviço público, mesmo se possa existir
como objetivo a obtenção de benefícios. Só que os benefícios obtidos têm uma
afetação diferente dos lucros, uma vez que só podem ter como objeto a melhoria
das condições de prestação dos bens e serviços públicos.
Assim, a iniciativa pública e a iniciativa privada têm, num
horizonte de longo prazo, motivações e comportamentos diferenciados. Não se vê como
é que, nesse horizonte, a iniciativa privada pode vir a produzir melhores
resultados do que a iniciativa pública, na gestão dos serviços públicos.
3. Os desmandos da gestão pública
É verdade que, no curto prazo, os desmandos que têm
caracterizado a gestão dos serviços públicos, nomeadamente no sistema nacional
de saúde, têm permitido que os resultados da gestão da iniciativa privada surjam
como mais satisfatórios, mas nesses casos o que há que fazer é corrigir os
referidos desmandos. No âmbito da saúde, mesmo quando a iniciativa privada é
apontada como referência na gestão das instituições privadas, isso só tem sido possível
mediante a transferência de recursos humanos e financeiros, cuja sução realiza
junto do Estado ou das instituições públicas. A melhor gestão privada só tem sido
conseguida através de recursos alheios.
Num tempo em que tanto se tem falado de
florestas, a plantação de eucaliptos é um bom exemplo para melhor compreender o
que tenho referido no âmbito da saúde. É verdade que, quer os particulares,
quer as celuloses, conseguem, em horizontes de tempo limitados, obter
rendimentos interessantes, com a plantação de eucaliptos. A questão é a de
saber se esses rendimentos são sustentáveis. Para justificar que o não são, basta
pensar que as celuloses não renovam os contratos com os particulares ao fim de
três ou quatro ciclos de contratos. A razão é simples: é que ao fim de 30 ou 40
anos as plantações esgotaram de tal modo os nutrientes dos solos que deixa de lhes ser
rentável continuar as explorações nesses terrenos.
O mesmo se pode pensar em termos de serviços públicos. A
iniciativa privada só tem interesse em aí permanecer enquanto puder continuar a
extrair recursos, i. e., a esgotar a fertilidade desses serviços.
4. A justificação do título
Para terminar, uma justificação para o título. Embora esta questão seja, normalmente abordada no início dos textos, aqui justifica-se, perfeitamente, que surja no fim, como se verá.
Se, em certas
circunstâncias a iniciativa privada pode, na gestão de serviços públicos, ser mais eficiente, daí resultando maiores benefícios para os cidadãos, nada
pode excluir que, em outras circunstâncias, a gestão pública possa produzir, nas
instituições privadas, melhores resultados que a gestão privada, e isso em
benefício de toda a sociedade. Só que, então, não faltaria o grande clamor do “Aqui
D’el Rei”, que lá vêm eles, de novo, com as nacionalizações. Claro que o mesmo
clamor não se manifestou e não se manifesta quando, em sentido contrário, se
procedem a movimentações de privatização dos serviços públicos.
Está, por isso, perfeitamente justificada
a possibilidade de poderem e deverem existir “parcerias privado-públicas”! Eu,
por mim, abraçarei os méritos das parcerias público-privadas quando, nos mesmos
termos, forem reconhecidos os méritos das parcerias privado-públicas.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Os comentários estão sujeitos a moderação.